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A
Paz Essencial
Tam Hao Van (Claudio Miklos)*
Embora seja fundamental, a paz precisa de elementos para
existir e se
manter. Não falo da paz externa, a paz do descanso e da
tranqüilidade
diária; falo da paz essencial, sem a qual nossas vidas
jamais serão
plenas, e sem a qual a paz externa, como dolorosamente
percebemos
todos os dias, será sempre um sonho aparentemente
inalcançável.
No âmago dos ensinamentos de Buddha, no coração
fundamental de tudo o
que ele procurou demonstrar, encontramos os dois
elementos sobre os
quais a Felicidade se sustenta: a Liberdade e a Paz
Interior. Buddha
fala do despertar, nos aponta para o caminho que nos
conduzirá para a
redescoberta de nós mesmos; ao longo deste caminho, não
sem esforço e
profunda concentração, estaremos nos despojando de
medos e ódios,
apegos e insatisfações, estaremos enfim nos libertando
de nós mesmos.
Esta espécie de morte e renascimento às vezes nos
parece assustadora,
ou então tolamente romântica, mas não é. Esta
transformação é o que
há de mais valioso nas experiências humanas, aquilo
que faz de um
simples ser humano esquecido de si mesmo um Buddha
desperto para o
valor essencial de todas as coisas.
A Paz essencial pode e deve ser praticada. E para a
praticarmos,
devemos estar prontos para nos libertar de nós mesmos,
deixando assim
nossos espíritos abertos para a realidade das coisas.
Para que esta
paz seja criada, precisamos igualmente saber praticá-la
em nossas
mentes e atitudes, cultivando assim a semente da compaixão,
tolerância e indiferenciação. Paz, portanto, não
deve ser encarada
como um ato político, social ou emocional; ela deve ser
percebida com
um ato vital, pleno, que se sustenta com a percepção
clara do quanto
as atitudes internas de impaciência, egoísmo e
indiferença nos levam
invariavelmente para atos cruéis e violentos, sejam
eles políticos,
sociais ou emocionais.
Se em nossas próprias vidas particulares, quando
tomamos alguma
atitude de intolerância, frieza ou agressividade ? às
vezes
consideradas tão banais e corriqueiras - contra nossos
pais, irmãos
ou irmãs, maridos ou esposas, filhos ou filhas, ou
contra amigos e
pessoas que trabalham conosco ou para nós e até mesmo
contra as
outras criaturas que nos cercam, muitas vezes imaginamos
que essas
atitudes não tem nada a ver com as guerras, crimes,
assassinatos e
crueldades do mundo, isso com certeza será um terrível
engano; pois
justamente nos atos mais comuns a origem do sofrimento
de todos os
seres está arraigada.
Tudo está interligado, e todo ato inconsciente e
ignorante criará uma
conseqüência em outro lugar; todas as coisas são
interdependentes,
todas as mentes e corações vivem sob a força da
interconexão do
cosmos. Isso não é apenas retórica poética, é na
verdade um fato
universal, um Dharma, uma grande sabedoria.
Como Buddha afirmou, sempre existe uma saída, sempre há
um caminho. A
confiança na Paz como algo possível é a base sobre a
qual a Paz
Essencial irá nascer. Não imagino soluções coletivas
para o
surgimento da Felicidade dos seres, mas confio
plenamente na solução
individual para que essa felicidade real surja nos corações
de todos,
para que saibamos cada vez mais olhar as coisas com
olhos de
igualdade, com o espírito de liberdade.
Para nos livrarmos de nossas frustrações, neuroses (mesmo
as mais
terrivelmente profundas), medos e ódios, faz-se necessário
encontrarmos a liberdade de nós mesmos. Assim, convido
a todos para
um esforço que está muito além de ser apenas
buddhista, mas que será
sempre um esforço digno das mentes sensatas e alertas,
independentemente dos caminhos: que todos nós busquemos
a paz
essencial, cultivando deliberadamente - mesmo que isso
pareça tão
difícil ? os atos de paciência e compreensão.
Quando você estiver pronto para agir com raiva e egoísmo,
pare!
Durante alguns segundos observe o que você está
fazendo, compreenda
que existe sempre outra saída, sempre há um modo de
superar o ódio e
agir com cuidado.
Quando você estiver pronto para agir com indiferença
ou preconceito,
pare! Tente ver o quanto sua atitude é injusta e cruel,
compreenda
que existe sempre outra saída, sempre há um modo de
superar o medo do
outro e agir com atenção e respeito.
Quando você estiver pronto para agir com arrogância e
vaidade, pare!
Tente ver o quanto sua atitude é imatura e vazia,
compreenda que
existe sempre outra saída, sempre há um modo de
superar o orgulho e
perceber o valor correto da humildade.
A Paz Essencial também é como uma semente, e pode ser
regada com a
água da prática atenta e consciente. É uma semente
que cura e alivia
os espíritos, e sobrevive mesmo nos corações mais
esquecidos de si
mesmos.
Pratique a paz.
No Dharma,
Tam Hao Van
Sarve Bhavantu Mangalam. Que Todos os Seres Sejam
Felizes.
Pratique a Paz.
*Tam
Hao Van ensina Meditação Zen no Saraswati Studio de
Yoga do Leblon
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