Adolpho Konder Homem de Carvalho


Advogado Criminalista, atuando no RJ, Adolpho Konder é um estudioso da Violência Urbana e Criminalidade.
Dedicou sua vida profissional à advocacia tendo inúmeras passagens pela vida pública nas esferas Federal, Estadual e Municipal.
Interessado pela área de drogas, elaborou estudos sobre o tema, como a monografia "canabismo", além de pareceres e artigos que visavam e adequar, na Lei Penal, o papel de usuários e dependentes.

Um tema que para sí é apaixonante: - O Turismo -, sendo figura conhecida no carnaval carioca, onde na RIOTUR foi organizador de regulamento dos desfiles e concursos promovidos nos anos de 75, 82 e 83, além de coordenar desfiles carnavalescos em Guaratinguetá (SP).

Preocupado com a relevância das causas sociais volta-se, no presente, para o estudo da problemática do Sistema Penitenciário Brasileiro.

Em 1984 participou ativamente da Campanha O RIO CONTRA O CRIME promovida pelo Jornal O GLOBO, dando origem ao trabalho abaixo transcrito.



Violência e Criminalidade


Nossas proposições

Na abordagem do problema "SEGURANÇA - CRIMINALIDADE", devemos refletir, preliminarmente, sobre três conceitos importantes, os quais não tem sido alvo regular das atenções dos estudiosos. Procuramos dissecá-los, com razoável clareza e judiciosidade:

1- A maioria esmagadora procura oferecer soluções para os efeitos, esquecendo que o problema está a exigir remédios heróicos para as causas. Se atacarmos os efeitos, as causas persistirão e as conseqüências crescerão numa razão geométrica. Tal fato ocorre em qualquer segmento, seja na SAÚDE, EDUCAÇÃO, SEGURANÇA ou TRANSPORTES. As proposições ,ainda que repletas de um espírito cooperativo, são, na sua maioria, ingênuas. Aumentar o efetivo da Polícia Militar , criar postos da PM em locais de elevada criminalidade, restaurar a vigilância da Polícia Civil nas ruas , fazer ressurgir a sepultada Polícia Noturna, dotar as Polícias Civil e Militar de mais viaturas e armas, reformular o Código Penal, instituir a Pena de Morte e, até, colocar as Forças Armadas no esquema de policiamento ostensivo ----- eis algumas das propostas contidas no grande universo das soluções apresentadas pela maioria do povo carioca. Se refletirmos, ainda que perfunctoriamente, sobre cada uma das" mensagens" acima arroladas, constataremos que nenhuma delas tem características próprias de soluções abortivas de causas . Todas elas objetivam, apenas, os efeitos. Se, porventura, as medidas propostas forem, ao inverso, preventivas, educadoras e corretivas, teremos, então, o direito de esperar um quadro de segurança menos sombrio. Daremos, como ilustração, um exemplo modesto ( em outra área do concerto social), para reforçar nossa tese. Se o Ministério da Saúde do Brasil constatar, amanhã, que existem 2.000.000 de brasileiros tuberculosos e tiver conhecimento, também, de que, para tão elevado universo de tísicos, existem, apenas , 30 % dos leitos e medicamentos necessários, não lhe bastará tomar as medidas indispensáveis à obtenção das vagas hospitalares e dos remédios. Se assim o fizer, estará atacando, somente, os efeitos da doença. As causas continuarão a persistir e, dentro de 10 anos, precisará novamente de milhões de leitos e de produtos quimioterápicos. Se, ao contrário, atacar o pauperismo , a má alimentação, as precárias condições de higiene e o desrespeito as regras de boa saúde , estará, certamente , evitando a proliferação de novos tuberculosos.


2- Transferindo um tal raciocínio para o campo da SEGURANÇA, teremos um igual desdobramento do problema. Se as autoridades tomarem medidas puramente repressivas, como aquelas anteriormente enunciadas, teremos uma diminuição da criminalidade puramente transitória, posto que as causas continuaram e, em pouco tempo, a criminalidade recrudescerá, exigindo novos aumentos dos efetivos das Polícias Civil e Militar, novas reformas no Código Penal, mais armas e viaturas, novas ordens de caráter repressor e uma infinidade de outras providências de igual teor.

Achamos que, na verdade, o problema da segurança terá que ser estudado dentro de um quadro geral e englobar títulos e subtítulos como SAÚDE, EDUCAÇÃO, CULTURA, TRANSPORTES, ECONOMIA, INFLAÇÃO, DÍVIDA INTERNA E EXTERNA, POLÍTICA SALARIAL, HABITAÇÃO, POLÍTICA DE EMPREGOS, FONTES DE COMUNICAÇÃO E ABASTECIMENTO, onde, certamente, serão detectadas as razões do aumento da criminalidade.

Propomos, então, que as soluções(a serem adotadas para o oferecimento de uma maior segurança ao povo carioca ) partam de um exame geral de nosso quadro sócio-econômico, dirigindo-se principalmente às causas.

Uma sociedade e seu governo não se dividem em compartimentos estanques, sem relacionamento ou corredores de ligação. Quando os dividimos em FINANÇAS, TRABALHO, PLANEJAMENTO, EDUCAÇÃO, OBRAS PÚBLICAS, SAÚDE, DESENVOLVIMENTO SOCIAL, ECONOMIA, SEGURANÇA, JUSTIÇA, TURISMO E ENERGIA, o fazemos pôr meras razões didáticas e de disciplina. Na verdade, o concerto social é uno, não podendo ter soluções singulares e que não atendam a todos os seus setores. Se não é verdade , vejamos. Quando procuramos enfocar o problema das favelas, adentrâmo-nos nos da educação, da saúde, dos transportes, da habitação, das obras públicas e do trabalho. Os problemas se interligam, como se interligam as diversas faces da sociedade. Pelas razões expostas e em suplemento ao que foi dito no item 1 , não poderemos nos abstrair de um só dos aspectos sociais, se pretendermos solucionar, realmente, as crises de uma de suas faixas. O presente item 2 é uma variante e um suplemento do item 1, no qual enfatizamos mais o método , procurando soluções na direção das causas e, não, dos efeitos. No item em pauta, estamos procurando situar o problema dentro da grande orquestra social, usando o método proposto no anterior.

Achamos, portanto, que o problema da CRIMINALIDADE deverá, principalmente, ser abordado através de suas causas(item 1) e dentro de uma globalidade social(item 2 ), com suas peculiaridades, suas nuances e suas deficiências. Não será demais relembrarmos que segurança "não é, apenas um caso de polícia".


3- A presente pesquisa, louvável e meritória, traduz o eco de uma população a clamar pôr segurança. Notamos que, indistintamente, todos desejam fórmulas mágicas, sem esconder ( o que é grave ) um certo tom agressivo e persecutório. Todos se preocupam com a onda de criminalidade na cidade do Rio de Janeiro, valendo dizer, contudo, que tais apreensões se dirigem, apenas, contra os roubos, os homicídios e os latrocínios(roubo com morte). Como se vê, as angústias da população, em relação ao problema da segurança, dirigem-se, apenas, contra alguns crimes violentos(ostensivamente violentos).

Notamos que, no exame da violência urbana, as abordagens não primam pela amplitude e imparcialidade. Cogita-se, apenas, da violência contida nos três fatos típicos anteriormente apontados - roubo, homicídio e latrocínio ( roubo com morte).

Será que a violência nos molesta, somente, nesses delitos ?

Será que a violência é, como muitos insinuam, um comportamento de homens de cor, de carentes ( principalmente favelados ) e de pessoas sem cultura?

Será que tais conceitos apressados decorrem das estatísticas das populações carcerárias, nos quais se constata um elevado percentual de seres humanos oriundos das camadas de baixa renda ?

Lamentavelmente, esse enfoque projeta o inconsciente social coletivo de grande parcela de nossa sociedade. Muitos, pôr recearem ser chamados de reacionários ou elitistas, negam um tal comportamento, mas não sabem, sequer, disfarçá-lo. Essa é a verdade que não se pode esconder. Impõe-se tirar-lhes a máscara.

Nossa afirmativa é tão compatível com a verdade que a vemos em conversas, comentários, análises, postulações do "dia-a-dia" e, até mesmo, no comportamento de alguns que têm, como missão precípua, a segurança da população. Invariavelmente, nas "blitzs", a Polícia, ao desfechá-las, tem um comportamento que confirma a nossa assertiva : dirige-se, para constatação de armas ou tóxicos, primeiramente aos homens de cor e aos de aspectos mais modesto. Trata-se de um fato invariável e que confirma a nossa denúncia acima formulada.

É lamentável que, pôr um erro ótico, julgue-se que a violência seja um mecanismo de reação dos carentes e que mereça os reclamos populares, somente, nos casos dos três delitos anteriormente apontados.

A violência é um mecanismo de comportamento que, sem exceções, integra os "atributos" dos seres de todas as classes, merecendo, portanto, uma repulsa de forma abrangente.

Há uma violência peculiar a cada classe social, a cada faixa etária, a cada profissão e a cada tipo de formação.

Não são violentos aqueles que, em nome da segurança do Estado, permitem e ordenam as torturas ?

Não são violentos aqueles que autorizam ou praticam o preconceito racial?

Não são violentos aqueles que, traindo os seus deveres e mandatos, legislam em favor dos privilegiados e ao arrepio dos menos aquinhoados ?

Não são violentas algumas faixas das classes dirigentes que assistem, indiferentes, o drama crescente de 2.000.000 de favelados do Rio de Janeiro ? Não são violentos aqueles que, pôr " vis compulsiva ", querem impor suas idéias e suas doutrinas ?

Não são violentos os fazendeiros, os invasores de terras e as autoridades que perseguem, lesam e, até, matam os nossos silvícolas ?

Não são violentos aqueles que, no exercício do pastoreio religioso ( sem distinção de religião ) , procuram a subordinação de suas ovelhas sob ameaça de castigos oriundos do transcendental ?

Não são violentos aqueles que, na administração da poupança alheia, se locupletam ?

Não são violentos aqueles que, aproveitando-se da dificuldade financeira do seu semelhante, auferem lucros extraordinários com juros extorsivos ?

Não são violentos aqueles que, operando com lucros , ganham acima dos limites éticos ?

Não são violentos aqueles que, aproveitando-se do trabalho alheio, enriquecem com o mesmo e recompensam-no de forma inadequada ?

Não são violentos aqueles que, abusando do poder econômico ou de prestígio pessoal, procuram modificar decisões dos Poderes constituídos ?

Todos esses brutais exemplos de violência estão explodindo em nossas faces, sem o necessário clamor contrário se levante. Trata-se de um silêncio escuso, filho do egoísmo e da covardia.

A violência esteve sempre presente nas atitudes do homem, não merecendo, pôr parte deste, uma consciente reflexão. A história do mundo mostra-nos etapas de violência consentida e ordenada, cujos detalhes repugnariam ao mais insensível dos seres. As conquistas da África, da América e do Oriente, a Santa Inquisição e a escravidão são alguns dos capítulos vergonhosos de nossa Humanidade, protagonizados pôr reis, imperadores, religiosos, civis, militares e, até, "santos". O Século XX tem sido igualmente rico em violências semelhantes. Infelizmente, a opinião pública volta-se, apenas, para a violência " de rua ", esquecendo os outros matizes de um problema muito mais grave do que se estima. Em decorrência de um egoísmo e de um certo elitismo, as baterias da opinião pública dirigem-se, somente, contra determinadas violências e, conseqüentemente, contra determinados agentes, os quais, pôr vezes, assim agem porque são alvos de todas as violências sociais. Essas vozes jamais se levantam contra as demais formas de violência acima indicadas em nossas perguntas.

Ao procurarem reagir à violência, essas vozes não o são menos violentas. É estreme de dúvidas que, no Brasil atual, cresce o número de partidários da pena de morte, o que demonstra o grau elevado de um ânimo persecutório. Sem receios de escandalizar, poderemos dizer que não é pequeno o número de partidários dos chamados " esquadrões da morte " . Diríamos, até, que, ainda uma vez, o inconsciente social coletivo é favorável a tais organizações. Pôr vergonha e falta de coragem para afirmar a sua própria torpeza, muitos não têm a frontalidade de fazer o proselitismo dos " Esquadrões da Morte ", mas vibram, internamente, quando um criminoso é " julgado e condenado" pelos mesmos.

Na verdade, o homem está a precisar de uma cirurgia plástica reparadora, mudando as suas reações, os seus comportamento habituais, as suas soluções e os seus enfoques. É claro que, para tanto, faz-se necessário reformular o pacto social vigente, diminuir as desigualdades, aplicar maciçamente em educação e saúde, usar, disciplina e educadamente, os meios de divulgação e aplicar a legislação, com seriedade.

É preciso que o homem faça um exame de consciência.




Esgotados os conceito acima expostos, cremos que se faça necessária a exposição sucinta de algumas proposições :

A) Dirigir todos os esforços no sentido de diminuir as desigualdades sociais e as carências. É sabido que, num país desenvolvido e socialmente equilibrado, o maior salário não excede, jamais, doze vezes o menor salário. No Brasil de hoje, o salário mínimo é quarenta, cinqüenta ou muito mais vezes inferior ao maior salário. É claro que uma tão chocante diferença provoca desequilíbrios sociais graves, os quais repercutem, inclusive, na segurança.

B) Aplicação volumosa em SAÚDE e EDUCAÇÃO (incluindo-se CULTURA). Desnecessário será expormos considerações sobre as vantagens de elevados níveis de educação e saúde.

C) Aplicação maciça em favor do MENOR. Trata-se de um item que se constitui num subitem do título EDUCAÇÃO. Não será realizável e de resultados positivos qualquer plano que esqueça a formação do MENOR.

D) Estabelecimento de uma política de empregos capaz de absolver, anualmente, as demandas de mão-de-obra, especializada ou não. Acusamos a política de empregos como uma das maiores fontes da chamada criminalidade " de rua ". Como subitem do presente, é de se recomendar a criação do AUXÍLIO-DESEMPREGO.

E) Uso permanente e disciplinado dos meios de divulgação procurando conscientizar a população de seus direitos e deveres, evitando, ainda, a propaganda sublimar ou ostensiva de atos que ferem as regras do Direito. A televisão, o rádio e os jornais representarão papel destacadíssimo no desdobramento do presente capítulo.

F) Aparelhar as Polícias Civil e Militar para uma política de prevenção do crimes. É preciso que todos se convençam de que a Polícia tem, também, uma função educadora e que não deva ser olhada, apenas, como um órgão repressor. Não basta que os organismos policiais sejam dotados de cabines, motocicletas, viaturas e armas modernas. É indispensável que lhes ensejem os processos da TÉCNICA DE INVESTIGAÇÃO CRIMINAL, da CIBERNÉTICA e da INFORMÁTICA. Faz-se necessário, ainda, que a Polícia seja prestigiada, ouvida e reciclada, o que gerará, pôr certo, o respeito e a confiança populares. É imperioso, antes de tudo, que o policial seja visto como um ser humano e que a violência dos desconceitos não desabe sobre sua cabeça.

As nossas proposições, salvo a contida no item " F ", envolvem, obviamente, medidas a longo prazo, tendo caráter puramente preventivo ( atacando as causas ).

As medidas de curto e médio prazo estão assinaladas no questionário em anexo, usado pela REDE GLOBO, além da ora exposta no item " F ".

Eis os nossos pontos de vista, os quais poderão propiciar volumosos e valiosos trabalhos dos doutos e versados.

Eis as nossas conceituações e observações, que, se não tiveram maior valor, demonstraram a coragem de provocar exames de consciência e revisão de posições cômodas.

Eis as nossas idéias sobre a matéria, as quais procuraram primar pela sinceridade, imparcialidade e distância de posições políticas previamente comprometidas.



LINKS JURÍDICOS


Ministério da Justiça OAB-RJ Supremo Tribunal Federal



akhc@domain.com.br


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