Veio Ver VERÍSSIMO ?


Fragmento...

CUIDADO COM O QUE VOCÊ PEDE...
(extraído do livro "Histórias Brasileiras de Verão")

- Pô, Luana.

- Não chega nem perto.

- Mas estamos só você e eu nesta ilha. E estaremos aqui pelo resto das nossas vidas.

- Vai ler o teu livro, vai. Você não disse que era o seu favorito ?

- Mas eu já li o livro várias vezes.

- Então vai ouvir o teu disco e me deixa em paz.

- Com que aparelho ? Nesta ilha não tem eletricidade. Nesta ilha não tem nada. Só coqueiros. E nós dois.

- A escolha foi sua. Ninguém me perguntou nada.

- Como é que eu ia saber que a pergunta não era hipotética ? Que quando o cara me perguntou que livro, que disco e que mulher eu levaria para uma ilha deserta, não era pesquisa ? Que ele ia interpretar não como sonho, mas como pedido ?

- Você deveria ter desconfiado do turbante.

- Se eu soubesse, teria pedido mantimentos. Enlatados, champanhe. Um gerador. Algum tipo de moradia, com som e mordomia. Talvez um bar. E 30 anos menos.

- Azar.

- Pô, Luana. Só um beijinho.

- Não-ô.

Passa o tempo. Eu e Luana Piovani conseguimos sobreviver na ilha deserta, mas a duras penas. Dada a nossa diferença de idade e de preparo físico, é ela que trepa nos coqueiros pra pegar o coco e constrói a cabana rudimentar que nos abriga, com camas de capim separadas. Ela reluta, depois acaba cedendo aos meus insistentes pedidos e tira o sutiã, mas só para fazermos um anzol do fecho de metal. Conseguimos pegar alguns peixes, usando mariscos como isca. Como não temos fósforos, fazemos fogo usando o CD do Miles Davis com o Sonny Rollins e o Horace Silver para refletir a luz do sol num monte de gravetos e alimentando o fogo com as páginas de "O Grande Gatsby". Quando termina o papel, usamos capim seco, ou comemos o peixe cru mesmo. Improviso uma armadilha para roedores com o estojo de plástico do CD. Não pegamos nada. A ilha é tão deserta que não tem nem roedor. De noite, tento me aconchegar a Luana, para pelo menos nos protegermos do frio. Ela me repele.

- Não-ô.

Passam-se anos. Um dia, sinto Luana mordiscando a minha orelha. Me afasto. Mesmo se quisesse alguma coisa com ela, não poderia. Estou anêmico e enfraquecido. A dieta de coco, peixe cru e água de chuva não me fez bem. E a Luana também está péssima. A roupa esfarrapada deixa entrever quase todo o seu corpo curtido pelo sol e o vento, mas eu nem olho mais. Ela insiste na orelha. Diz que já que estaremos lá para sempre e não tem remédio... Eu me recuso. Se estivéssemos em qualquer outro lugar, e não lutando para sobreviver daquele jeito, talvez rolasse alguma coisa entre nós. Mas naquelas condições estressantes, numa ilha deserta... Pego o que sobrou de "O Grande Gatsby", as duas capas apodrecidas, e finjo que leio, para desencorajá-la.

- Pô, Luis Fernando.

- Azar - suspiro.

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