Veio Ver VERÍSSIMO ?
Colaborações
Porque eram precavidos, porque queriam que sua união desse
certo, e principalmente porque eram advogados, fizeram um contrato
nupcial. Um instrumento particular, só entre os dois, separado
das formalidades usuais de um casamento civil. Nele estariam explicitados
os deveres e os compromissos de cada um até que a morte
ou o descumprimento de qualquer uma das cláusulas os separasse.
Passaram boa parte do noivado preparando o documento. Tudo correu
bem até chegarem à cláusula que tratava da
fidelidade. Ele ponderou, chamando-a de "cara colega"
entre risadas (estavam na cama), que a obrigação
de ser fiel deveria constar no contrato, claro, desde que a cláusula
correspondente permitisse uma certa flexibilidade.
- Vejo que o nobre causídico advoga em sem-vergonhice própria
- brincou ela, cutucando-o.
- Não, não, disse ele. - Só acho que devemos
levar em consideração as hipóteses heterodoxas.
As eventualidades aleatórias. As circunstâncias atenuantes.
Em outras palavras, as oportunidades imperdíveis.
E exemplificou:
- Digamos que eu fique preso num elevador com a Luana Piovani.
- Sei.
- Só eu e ela.
- Certo.
- Depois de 10, 15 minutos, ela diz "Calor, né?"
e desabotoa a blusa. Mais dez minutos e ela tira toda a roupa.
Mais cinco minutos e ela diz "Não adiantou" e
começa a abrir o zíper da minha calça...
- Sim.
- O contrato deveria prever que, em casos assim, eu estaria automaticamente
liberado dos seus termos restritivos.
Ela concordou, em tese, mas argumentou que a licença pleiteada
deveria ser mais específica, rechaçando a sugestão
dele de que o inciso expiatório se referisse genericamente
a "Luana Piovani ou similar". Depois de alguma discussão,
ficou decidido que ele estaria automaticamente liberado da obrigação
contratual de ser fiel a ela no caso de ficar preso num elevador
com a Patrícia Pillar, a Luma de Oliveira, ou uma das duas
(ou as duas) moças do "Tchan", além da
Luana Piovani, se o socorro demorasse mais de 20 minutos.
Isto estabelecido, ela disse:
- No meu caso, deixa ver...
- Como, no seu caso???
- No caso de eu ficar presa num elevador com alguém.
- Defina "alguém".
- Sei lá. O Maurício Mattar. O Antônio Fagundes.
O Vampeta.
- O Vampeta não!
- É só um exemplo.
- Não pode ser brasileiro!
- Ah, é? Ah, é?
Foi a primeira briga deles. Ele se considerava um homem moderno
e um escravo da justiça, mas aquilo era demais. Não
conseguia imaginar ela presa num elevador com um homem irresistível,
ainda mais com a absolvição pelo adultério
garantida em contrato.
Sugeriu o Richard Gere. Ela não era louca pelo Richard
Gere? O Richard Gere ele admitia. Ela achou muito engraçado.
As chances de ela ficar presa num elevador com o Richard Gere
eram muito menores do que as chances dele de ficar preso com a
Luana Piovani, que morava no Brasil, ora faça-me o favor.
- Então o Julio Iglesias.
- O quê?!
- O Julio Iglesias vem muito ao Brasil.
- Eu tenho horror do Julio Iglesias!
- Bom, se você vai começar a escolher...
Finalmente , chegaram a um acordo. Ele ainda relutou, mas no fim
se viu sem nenhuma objeção convincente. Ela estaria
liberada de ser fiel a ele se um dia ficasse presa num elevador
com o Chico Buarque. Mas só com o Chico Buarque. E só
se o socorro demorasse mais de uma hora!
Luis Fernando Veríssimo
O Estado de São Paulo - Domingo, 07 de março de
1999 - Caderno Cultura
Colaborou Alexandre Dias - Brasília