“Tributo à Manoel Alves de Oliveira Lopes”

* 12/10/1883 - † 08/12/1967

 

                                            Em homenagem a este homem que foi o “Meu Pai” no carinho, no amor, na dedicação, no cuidado, na atenção e, que por força do destino, não deixou descendentes diretos, que pudessem perpetuar sua memória, deixo aqui meu testemunho sobre a vida daquele que não merece cair no esquecimento. Claro, que muitas coisas, deixo de relatar por desconhecê-las em detalhes, registro aquilo que me vem à memória e que me foi contado no conviver com ele e posteriormente. É-me doloroso deixar passar em branco toda uma memória afetiva, visto toda sua memória “material” ter sido parcialmente destruída, aproveitada apenas no sentido do lucro, da ganância de seus descendentes indiretos. Perdoem, se encontrarem qualquer erro na narrativa, nas ilustrações, na supressão de fatos que não vivi e, se houver interesse, ajudem-me a tornar esta pequena biografia, uma verdadeira história de sua vida.

                    Nascido em Válega, pequena aldeia ao norte de Portugal, no Concelho de Ovar, em 12 de outubro de 1883, chamava-se Manoel Alves. Filho de Manoel Alves e de Isabel Duarte Pereira, tinha mais 3 irmãos e 4 irmãs: Francisco, José, e Arnaldo, Maria do Carmo, Elvira, Palmira e Deolinda. Com exceção de seus pais e de suas irmãs Maria do Carmo e Elvira, vieram todos viver no Brasil.

 

       

                Seus pais                                                        Os quatro irmãos

 

                    Ele, aqui chegou aos 13 anos de idade para trabalhar com um tio seu, no então “Oliveira Lopes Silva, Cereais Ltda”, situado na Rua do Mercado nº 14 , Centro da Cidade do Rio de Janeiro, no então, estado da Guanabara.E, desconheço o fato, adotou o Oliveira Lopes como sobrenome, passando a chamar-se Manoel Alves de Oliveira Lopes. O mesmo ocorre com seus irmãos. Suas irmãs tinham o sobrenome de Duarte Pereira; como era costume na época, os homens adotarem o sobrenome do pai e as mulheres, o da mãe. Trabalhando bastante foi pouco à pouco construindo seu patrimônio. Com a vinda dos irmãos também para aí trabalharem, acabaram, com a morte do tio, a serem os herdeiros desse comércio e sócios do mesmo. Suas irmãs Palmira e Deolinda, também para cá vieram, casadas com dois irmãos: a primeira com Manoel Maria Valente da Silva e a segunda, com Antonio Maria Valente da Silva. Ele e Francisco foram os únicos a casarem-se; os outros dois, faleceram solteiros e sem filhos. Maria do Carmo casou-se com João Herdeiro e passou a viver em São João da Madeira, em Portugal. Elvira, permaneceu solteira e tornou-se a guardiã da casa em Válega, que foi se modernizando através dos demais irmãos que sempre lá iam passar temporadas.

 

     

Sua irmã Maria do Carmo      Sua irmã Elvira               Sua irmã Palmira            Sua irmã Deolinda (à direita)

 

                    Começou então a investir no ramo de construção e imobiliária. Seu primeiro prédio localiza-se ainda hoje na Av. Augusto Severo nº 74, no bairro da Glória e, tem na fachada seu nome: “Edifício Oliveira Lopes”.

 

                   

                            A fachada do prédio em 1999                      A Portaria do Edifício Oliveira Lopes

 

                    Dedicando-se, então,  exclusivamente a esse ramo fez-se ser um dos mais bem-sucedidos, vindo a montar um escritório em sociedade com seu irmão Arnaldo, o Escritório Oliveira Lopes, no Largo da Carioca nº5sala 802 – Centro do Rio de Janeiro, antigo prédio da Ordem Terceira do Carmo,de onde passou a administrar seus próprios bens. Tinha visão voltada para empreender e vislumbrar “futuros”. 

                                          
                                                                 

                                                                          O respectivo prédio em 1933

                    No ano de 1913 casou-se com uma respeitável e rica moça da sociedade Carlinda Torres Marques, que adotou seu sobrenome, passando a chamar-se Carlinda Torres de Oliveira Lopes, nascida em 26 de julho de 1893 e falecida em 26 de outubro de 1961, vitimada inicialmente por um câncer de vesícula que se generalizou por todo o seu organismo. Inicialmente, ele residia na Rua Almirante Alexandrino, numa casa modesta que veio a desmoronar totalmente na grande enchente de 1966, já casado foi residir na Rua Joaquim Murtinho nº 219 e, finalmente na “Vila Carlinda”, na mesma Rua Joaquim Murtinho nº 569 . Estas ruas pertencem ao bairro de Santa Teresa, na cidade do Rio de Janeiro. 

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1. Rua Joaquim Murtinho no início dos bondes.

2. Rua Joaquim Mutinho, vendo-se a casa ao fundo na década de 1990.

3. Rua Joaquim Murtinho, 569 - A "Vila Carlinda".

 

                    Tiveram duas filhas: Carlinda, chamada por “Lindinha” , nascida no ano de 1913 e falecida no ano de 1937, vítima da então terrível tuberculose e, Dinorah, nascida no ano de 1914 e, também vítima da tuberculose por contágio de sua irmã, veio a falecer no ano de 1938. A primeira faleceu na Beneficiência Portuguêsa e, a segunda, em casa, num quarto no primeiro andar, aparelhado como um verdadeiro hospital.

                     

                    Sua esposa Carlinda e suas duas filhas.

 

                    Em função da doença das filhas, comprou uma casa em Corrêas, na Rua Castro Alves nº 67 no município de Petrópolis, no antigo estado da Guanabara, em função de não querer ver as filhas internadas num sanatório próximo dali,e em virtude de lá ter um clima propício e medicamente recomendado à uma possível cura da doença. Dessa casa, fizeram quase que um paraíso de paz, quebrado, pelas constantes visitas de parentes e amigos. 

                                                                                       Casa de Corrêas à época da procura da cura das filhas.

                                                      

                    Aliás, passeavam bastante, faziam muitos pic-nics e recebiam sempre bastante gente. Estava sempre próximo de seus irmãos e, posteriores sobrinhos em permanente clima de harmonia e felicidade familiar. Eram católicos praticantes e, não faltavam à missa dominical, onde quer que estivessem.

                   

                                                       Esposa, irmãs, irmão, cunhados, sobrinhas e amigos.

                    Todas as três residências (Válega – Estrada de Carvalho de Cima, Corrêas – Rua Castro Alves nº 67 e Santa Teresa) tinham algo em comum. Elas eram praticamente auto-suficientes e, nelas havia luz, telefone, água encanada com torneiras separadas para água fria e água quente. Os banheiros tinham, vaso, bidê, lavatório, banheira e chuveiro. Tudo indica que com o advento de algo que trouxesse maior conforto era sempre bem-recebido e imediatamente incrementado a seus cotidianos; assim também como o rádio , o fogão à gás, a coifa, o refrigerador elétrico, o ferro de passar roupa também elétrico, etc. Suas frentes sempre ostentaram lindos jardins sempre muito bem cuidados.Na parte de trás da casa, sempre bastante terreno, para cultivarem horta e pomar e animais de pequeno porte para a produção de ovos e abate de aves, tendo também moradias independentes para a criadagem: a casa do motorista, a casa do jardineiro que nelas viviam com suas famílias. As empregadas permaneciam no interior das casas, mas em cômodos e andar separados do dos patrões. Haviam despensas, onde eram mantidos os cereais, azeites, vinhos e todas as demais necessidades já industrializadas que ou eram importados de Portugal, ou fornecidos pelo seu próprio mercado. Carne bovina e suína provinham de abatedouros próximos. Nesse período também perdeu seu irmão José, vitimado pela tuberculose. Seu irmão Francisco, casado com uma moça de Válega teve um casal de filhos (Nélson e Vera), acidentalmente, morreu afogado. Parece que a esposa morreu anos depois internada num hospício. Seu filho Nélson também veio a falecer de maneira semelhante à mãe, e a sua filha Vera foi internada num hospício após a morte da mãe que a levou à loucura, trancando-a dia e noite em seu quarto colocando cadeados em suas janelas e não permitindo à menina que saísse de forma alguma.

 

 

                                                 

                              Seu irmão Francisco, esposa e filho.

 

Precavido em tudo, tratou em 05 de janeiro de 1934 de comprar a Perpetuidade de um terreno, no cemitério de São João Batista, no bairro de Botafogo, afim de nele construir o Jazigo da “Família Manoel Alves de Oliveira Lopes”. Em 9 de fevereiro de 1934 manda executar a obra do mausoléo e em 29 de maio de 1937, torna-o remido. Este foi construído na Ala Central sob o nº 87-E.

 

        

 Documentos relativos à compra do terreno, à construção do túmulo, à remissão e o túmulo já pronto.

                    Em 02 de junho de 1941 torna-se Cidadão Brasileiro. 

 

                                                

                       Passaporte de 1967 - Constando a data da Naturalização.

 

De sua irmã Maria do Carmo teve apenas um sobrinho: José Pereira Herdeiro, o Zèzinho. Da irmã Palmira, duas sobrinhas: Lúcia e Olga, ambas com o sobrenome de Duarte Valente da Silva. Da irmã Deolinda, um casal: Paulo e Vera Lúcia, ambos também com o sobrenome das primas acima citadas. Em 1960, tendo piorado bastante o estado de saúde de sua esposa que estava sob os cuidados do Dr. Paulo Mendes Brás da Silva, médico da Real e Benemérita Sociedade Portuguêsa de Beneficiência, localizada `a Rua Santo Amaro nº 40, no bairro da Glória, e, também da família, vê-se obrigado a interná-la num quarto bastante amplo no quinto andar do Pavilhão Visconde de Moraes.

                                                               

                                           Carteira de Sócio Remido                          A equipe do 5º andar

Claro que não mediu esforços no tratamento de sua companheira de tantos anos e, quis dar-lhe todo o tratamento e conforto que pudesse. Para tanto, começou a procurar por uma pessoa que lhe fizesse companhia, tratasse de suas necessidades e fiscalizasse todo o tratamento desta diuturnamente. Falou com seus parentes e amigos se poderiam tratar disto para ele. Veio-lhe então a indicar uma pessoa para este trabalho sua amiga D. Maria do Quintino que conhecia uma senhora chamada D. Amélia dos Santos Pinto e que, em virtude de conhecer alguém com todos os requisitos pedidos e que já havia tratado de sua filha única, Alzira, ainda lá em Portugal, que esteve quase à morte com um tumor cerebral e, que na altura estava sem emprego e com uma filha pequena para criar. Esta senhora, chamada Laurinda Alves Teixeira, filha de Narciso Alves e de Bernardina Teixeira, nascida em Vale de Bouro, Distrito de Celorico de Basto e Concelho de Braga, nascida em 31 de outubro de 1915, e que chegou ao Brasil grávida de cinco meses, em agosto de 1955, no navio North King, vindo residir na casa de um de seus irmãos já aqui estabelecidos, Antonio Alves, Teresa Alves do Amaral,e, Manuel Alves que residia à Rua Sinimbú, 37, no bairro de São Cristóvão, e para onde ela foi morar, pretendendo o recomeço de uma nova vida para si, deixando para trás um relacionamento de 27 anos com um homem, que a fez “ comer do pão que o diabo amassou”. 

 

                                           

                                                 Laurinda ainda jovem.

 

Além dessa gravidez, deixou lá em Portugal, um casal de filhos: Joaquim, nascido em 1931 e Maria Fernanda, nascida em 1942. Sendo comunicada desta oportunidade dirigiu-se ao endereço a ela fornecido: Rua da Carioca nº 5, sala 802. Lá, encontrou, Arnaldo, o cunhado da senhora doente e este gentilmente, deu um telefonema ao irmão que se encontrava àquela hora no hospital e falou-lhe da pessoa que estava à sua frente candidatando-se para o cargo. Este, pediu ao irmão que a encaminhasse ao hospital que lá estaria à espera. E, assim, colocada num táxi por Arnaldo, ela foi ao encontro deste homem amargurado e tão sofrido. Encontrou-o à sua espera na portaria do hospital e, ali conversaram, acertaram o trabalho e salário que, para ela, na ocasião, era uma verdadeira fortuna. Imediatamente pôs-se a tratar da doente que simpatizou muito com ela, fez amizades com as freiras, principalmente com as Irmãs Cira e Adelina. Sua filha passava dias numa casa de uma conhecida, dias em casa de outra, na casa do irmão e, assim transcorria sua vida. Não saía de lá um só dia e, normalmente, seu irmão, levava a filha para visitá-la. Com as economias que havia feito anteriormente, conseguiu trazer seu filho Joaquim, então, já casado e com um filho de 2 anos de idade, para morar no Brasil, com moradia, arranjada por sua amiga Amélia e emprego prometido, isto em 1960. Sua pequena filha ainda chegou a passar dias na casa do filho, mas, devido à brutalidade com que este tratava a menina, ela preferiu deixá-la como anteriormente descrito. Esta menina travou conhecimento com a paciente de quem a mãe cuidava e, desde cedo, sentiu um carinho enorme por aquele senhor que nunca deixou de conversar e dar atenção a ela. Ele, acabou conseguindo um quarto pequeno, naquele mesmo andar onde a menina e a mãe pudessem estar juntas. E a menina passou a fazer parte da rotina daquele andar também: conhecia a todos, conversava com enfermeiras, irmãs, médicos, pacientes. Aquele hospital começou a ser o seu lar. O tempo passava e, a cada dia,D. Carlinda piorava: o câncer estava avançando rapidamente. Os médicos já mal conseguiam localizar veias para administrar-lhe a medicação. Cortavam sua carne em busca de veias mais profundas. O sofrimento desta era pavoroso. Já lá se ia mais de um ano essa agonia. O marido era tristeza pura, um ser impotente diante de mais outro golpe traiçoeiro do destino. Em outubro de 1961, ela entrou em coma profunda. Embora, os médicos dissessem que ela não sentia nada naquele estado, sua expressão de dor era visível em seu rosto a cada vez que tinha de ser submetida a um novo corte para localização de novas veias. Em 26 deste mês e ano , faleceu. Foi enterrada junto às filhas no túmulo da família. Ficou bastante grato à esta senhora que por tanto tempo cuidou com zelo sua já falecida esposa e, diante do cansaço da mesma, ofereceu sua casa em Corrêas para que ela mais a filha fossem passar uns dias lá. Ela aceitou a oferta e foi com sua filha. Ele, eventualmente aparecia por lá a ver se havia alguma necessidade. Já descansada, retornou a seu trabalho e, de novo foi cuidar de outra senhora também no mesmo hospital. Ele a procurou para pedir-lhe ajuda em sua casa em Santa Teresa: retirar todos os pertences de sua falecida esposa dos armários, gavetas, etc, afim de que a família desta, lá fosse e levasse o que quisessem. Ela, lá foi ajuda-lo e levou consigo a filha, já bastante afeiçoada a este senhor que sempre demonstrou bastante carinho e atenção por ela. A menina ficou “perdida” dentro daquela casa: nunca havia entrado numa casa tão grande e com tantas portas em seu interior. Enquanto os familiares da D. Carlinda escolhiam seus pertences espalhados pela sala e varanda, a D. laurinda anotava o que cada pessoa levava e a menina brincava entrando e saindo de uma a outra porta. Passou-se mais algum tempo e, a D. laurinda foi trabalhar na casa de uma outra senhora, onde tinha um quarto para si e também pôde levar a filha, em Laranjeiras, mas o Sr. Manoel estava sempre se comunicando com ela e a gratidão extremada acabou se desenvolvendo num evidente interesse amoroso. Começou a fazer-lhe a “corte”, e, ela, inicialmente, não lhe deu esperança alguma, mas a insistência dele, fez com que ela começasse a pensar que talvez valesse a pena e, com o tempo também se afeiçoou a ele. Contra a vontade da família deste, acabaram-se casando em 11 de abril de 1964 na Paróquia de Santa Teresa de Jesus, na Rua Áurea, 71, Santa Teresa. Foi uma cerimônia simples, mas lá compareceram os familiares de ambos e alguns amigos mais próximos. A menina foi a “dama-de-honra” do evento.

 

          

                        Certidão de Casamento.      Cerimônia do Segundo Casamento Alguns poucos convidados e a daminha.

A partir daí, passam os três a morar em Santa Teresa. Nessa época a casa contava com seis empregados: uma cozinheira, uma arrumadeira, uma lavadeira e passadeira, um jardineiro, um motorista para o seu Oldsmobile.

 

 

                                                    O seu carro Oldsmobile 1959.

Uma governanta, chamada D.Custódia, que já estava lá há mais de quarenta anos e que mantinha a casa em ordem e funcionamento. Esta senhora era a mãe do então chefe de escritório, sr. Emygdio Rodrigues Caetano. D. Custódia ainda ficou algum tempo na casa, mas por problemas de saúde, foi internada na Ordem Terceira de São Francisco de Paulo, na Tijuca. Todos os domingos, seu antigo patrão, esposa e filha iam visitá-la na enfermaria onde estava com mais algumas pessoas também já idosas; nunca lhe deixou que faltasse nada e, nas visitas, levava frutas e biscoitos para ela. Isso aconteceu até a morte desta. Também visitava com regularidade um outro amigo seu, chamado Sr. Borges, pai viúvo de uma moça que tinha seqüelas de meningite, no Rio Comprido. Todos os domingos havia como que uma rotina: ir à missa, almoçar em casa ou em casa de algum parente, depois, visitar a D. Custódia, depois o Sr. João Borges que, diabético, contraiu gangrena por uma pequena ferida causada por uma tesoura usada para cortar-lhe as unhas dos pés. Iam cortando-lhe os membros inferiores, mas a gangrena não se detinha e ele acabou por também falecer.                            

No escritório, eram os chefes-proprietários, os dois irmãos Manoel e Arnaldo. Quem tratava da organização do mesmo, era este Sr. Emygdio e, tinha como ajudantes, seus dois filhos: Emygdinho e Arlindo. Já era bastante conhecido seu escritório na área imobiliária e seu nome bastante respeitado. Sempre em busca de novos investimentos nesse setor, ia o escritório de vento-e-popa. O Sr. Oliveira Lopes, como era conhecido no ramo, lá ia pela manhã e à tarde, passando em casa para almoçar e descansar um pouco. Seu irmão também fazia o mesmo. Quis, novamente o destino pregar-lhe outra peça: numa tarde, o Arnaldo não apareceu no escritório e tinha lá deixado um queijo sobre a sua mesa de trabalho. Já ao sair, o Manoel reparou no tal queijo e telefonou-lhe, mas ninguém atendia e, ele, resolveu ir pessoalmente, levar-lhe o embrulho em sua casa. Tocou várias vezes a campainha e nada, ninguém atendia. Ia deixar o queijo, pousado na soleira da porta, quando percebeu-se um cheiro de gás bastante forte e, vinha de dentro do apartamento do irmão. Chamou o Corpo de Bombeiros, que, imediatamente, arrombaram a porta, mas, para o Arnaldo já era tarde demais: ele jazia morto no chão da cozinha, perto do fogão, de onde vazou todo o gás que matou seu último irmão. A polícia compareceu ao local e constatou, através de perícia, morte acidental. Provavelmente, ele deve ter se deitado após o almoço para repousar e inalou o gás que vazava sem parar, deve ter acordado sufocado e sentido o cheiro, dirigiu-se à cozinha, onde o cheiro era fortíssimo e, caído desmaiado antes de conseguir fechar o registro do fogão. Ele faleceu em 1962 e foi enterrado, no jazigo do irmão, junto à sua cunhada e sobrinhas. Ao Manoel, restaram-lhe as irmãs e sobrinho(a)s para consolar-lhe mais esta dolorosa perda. Foi o testamentário do irmão e fez cumprir suas últimas vontades, principalmente a de doar todos os seus bens à instituições de caridade.

 

               

                                                 Arnaldo, o irmão mais novo.

 

                     Freqüentava com regularidade o Liceu Literário Português, o Real Gabinete Português de Leitura e o Clube Ginástico. Era sócio remido em vários clubes e associações beneméritas também. Tinha vida social repleta. Gostava muito de tratar de negócios, por vezes, no horário de almoço na Confeitaria Colombo, na Rua Gonçalves Dias. Todos os comerciantes daquele pedaço do Centro do Rio o conheciam e o respeitavam: Largo da Carioca, Rua da Carioca, Rua Ramalho Ortigão, Rua Sete de Setembro, Rua do Ouvidor, etc. Por vezes lanchava também na Cavé.

                      

                  Carteiras de Sócio do Real Gabinete Português de Leitura e do Liceu Literário Português.

 

                     Um pequeno detalhe sobre o seu caráter apresenta-se no caso de seu segundo casamento. Procurou pelo filho da futura esposa para pedir-lhe consentimento para casar-se com a sua mãe. Fez também com a futura esposa e a filha desta uma viagem à Portugal para apresentar-se à filha desta que lá residia e já era uma moça de 21 anos, à família desta e também para apresentá-las às suas irmãs de lá. Em 25 de abril de 1963, embarcou do Cais do Porto do Rio de Janeiro com as duas, no navio Aragon, da Mala Real Inglesa, que possuía mais dois transatlânticos, o Amazon e o Arlanza, chegando ao Cais de Lisboa, em Portugal em 05 de maio de 1963. Passearam por várias cidades portuguesas nesse período, tendo por companhia constante a outra filha da futura esposa, Maria Fernanda Alves Teixeira Barbosa, por quem se encantou e fazia gosto que esta se casasse com o seu sobrinho Zèzinho, a quem posteriormente a apresentou, mas, para seu desencanto, não conseguiu casá-los. Retornaram ao Brasil, saindo de Lisboa em 17 de outubro de 1963 e chegando ao Rio de Janeiro em 28 de outubro de 1963. Também lá gostava muito de fazer pic-nics com seus conhecidos e familiares e de freqüentar a uma praia de lá: Furadouro, onde mantinha alugada uma barraca em caráter permanete. Ia muito à Ovar, passeava pelas estradas de Válega á pé e ficava horas, sentado num tronco cortado de árvore no seu Pinharal, próximo de sua casa, cheirando folhas de eucalipto. Gostava também de freqüentar Têrmas, principalmente Vidago e Curia.

 

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1. Chegada à Lisboa - 19632.

2.Ele, esposa e suas 2 "filhas"–Ovar.

3.Pic-Nic em seu Pinharal. 

4.A Praia do Furadouro

 

 No interior do navio antes do desembarque. 

 

                                        Pomar em Válega: com sua esposa e "filhas" e irmã Elvira.

                    Fizeram outras viagens até lá, sempre num dos navios da então Mala Real Inglesa, conforme consta em seu passaporte.

 

                                                                   Seu último passaporte.

                     No Brasil, mantinha a sua rotina casa-escritório durante a semana. Aos finais de semana visitar seus parentes, almoçando ou lanchando com eles, visitar seus doentes e, por vezes dar um longo passeio de carro pela orla marítima até o Recreio dos Bandeirantes, onde gostava muito de fazer pic-nics. Nessa época toda a área da Barra da Tijuca até o Recreio dos Bandeirantes era um grande areal, com estrada ainda de terra e, ele, maravilhado dizia: “Isto ainda vai ser uma segunda Copacabana!”. Para lá se chegar era necessário subir o Alto da Tijuca e pegar a Estrada do Joá. Nas férias escolares da menina, iam para Corrêas, passar de janeiro à março. A casa de lá já havia sofrido alterações, mas os jardins cheios de hortênsias, suas flores preferidas, dálias, rosas, camélias, etc, ladeados pela “grama de urso”, lá estavam ainda sempre cuidados com esmero. Na horta havia de tudo. Árvores frutíferas abundavam toda a propriedade: castanheiro, goiabeiras, caquizeiros, laranjeiras, limoeiros, mamoeiros, pitangueiras, jaboticabeiras, macieiras, etc. Ao fundo do terreno corria um rio onde havia um barranco com pés de café, bambus e uma longa trepadeira de xuxus que faziam um corredor de sombra. Tanques por todo o terreno também para a rega daquilo tudo. Havia apenas um galinheiro para consumo próprio de galinha e de ovos. Na frente da propriedade uma enorme cerca de hera, podada em arcos nos cinco portões da propriedade. Aos fundos da casa, residia o motorista num apartamento sobre a garagem,e atrás desta, a casa do jardineiro cuja esposa tratava da arrumação da casa. A cozinheira de Santa Teresa era levada para lá nesse período. Aparecia sempre bastante gente por lá: familiares e amigos.

 

                           A então modificada casa de Corrêas  Seu cantinho de hortênsias          Seu jardim amado 

                     A casa de Santa Teresa também sofreu modificações, ganhando uma garagem e um túnel que levava à um elevador, aumentando ao lado direito desta, uma alta torre. A escadaria de mármore foi modificada, assim como toda a parte da frente da casa, que ganhou escadas e caminhos cimentados, ladeando cada patamar de jardim, grades de ferro. À frente, jardineiras, separadas também por grades. O novo portão, também em ferro, levava ao túnel do elevador.

 

                                                 Parte da fachada de Santa Teresa na década de 1960.

 

                     Era um homem sofisticado mas de hábitos simples, porém saudáveis. Tomava seu café da manhã, pontualmente às 7:00 horas. Antes do café, barbeava-se, escovava os dentes, bochechava com Anaphyon, e, então tomava seu banho de chuveiro. Usava um roupão para sair do banheiro e vestia-se no quarto. Suas camisas tinham punhos e colarinhos engomados, sendo estes, colocados na camisa por um botão de brilhante. Suas abotoaduras eram de ouro. Usava suspensórios ou cintos, dependendo da vontade. O passador das gravatas eram também de ouro com um brilhante na ponta. Usava um relógio Patek Phillip de ouro, com tampa com as suas iniciais e, prêso à casa do último botão de seu colete, por uma corrente também de ouro; o relógio, no bolsinho esquerdo do colete. Cores sempre sóbrias tinham os seus ternos. Só usava camisas de manga curta em casa. Por baixo das camisas usava camiseta de malha. Dormia com longos camisolões de linho branco debruados com uma pequena faixa azul.Usava ceroulas de linho branco. Lençóis nas camas, também só de linho branco bordados com monogramas. Aliás, os monogramas estavam em tudo: em toalhas de banho, toalhas de mesa, guardanapos, talheres de prata, pratos e travessas de cerâmica inglesa, aparelhos de chá ou de café em cerâmica chinesa ou em prata. O sabonete usado era sòmente o Phebo. Ao lavar as mãos, sempre as ensaboava e lavava a torneira, depois, voltava a ensaboar bem as mãos e as enxagüava, enxugando-as em seguida. No café da manhã procedia da seguinte forma: colocava o leite fervido, bem quente na xícara, jogava café até transbordar, colocava pedaços de pão dentro e, ia-os tirando com uma colher, tomando depois o café com leite.Comia mingau de aveia Quaker e uma maçã cozida. No almoço gostava de legumes cozidos, peixe cozido com a cabeça e, da água deste cozimento, um pirão, verduras e frutas, sendo maçã a sua preferida. Só tomava vinho (Casalinho tinto ou branco) ou água. Refrigerante não entrava em sua casa, no máximo, um suco natural de laranja. Comia bem e variava o cardápio a cada dia, preferindo os cozidos e os assados (galinha, carne ou porco). Com a chegada da menina, adotou para esta, o vinho branco doce Grandjó para as refeições. Todas as noites, antes de deitar-se, tomava um cálice de Vinho do Porto Ferreirinha. Escovava os dentes sempre após as refeições e, quando não era possível fazê-lo, bochechava-os com água. Detalhe: no tempo que viveu, nunca teve uma cárie ou um dente qualquer perdido e, apesar disso, ia com freqüência regular ao seu dentista, Dr. José Aguiar Dantas, no 9º andar do mesmo edifício de seu escritório para fazer manutenção. Também, dizia nunca ter sentido dor de espécie alguma, sequer uma dor de cabeça em toda a sua vida. Os mosquitos pousavam sobre ele e não o picavam!!! Aos domingos, sentava-se na sua cadeira de balanço, na iluminada varanda, toda com janelas de vidro, em Santa Teresa, e lia todos os jornais que existiam na época: Correio da Manhã, Jornal do Brasil, etc. À noite, ouvia pelo rádio a “Hora do Brasil” e, pela TV Tupi, assistia ao Repórter Esso. Em vez em quando ouvia também pelo rádio o humorístico “Balança Mas Não Cai”. Gostava de musicais em cinema ou teatro. Apreciava o ator Procópio Ferreira e sua filha Bibi. Ia bastantes vezes ao Teatro Gomes Freire, assisti-los. Gostava de visitar museus e monumentos históricos. Ia, com freqüência, à Sala Cecília Meireles ouvir concertos ou óperas e ao Teatro Municipal assistir à balés. Isto me lembra que, embora fosse um homem ligado à artes e religião católica, em suas casas não haviam instrumentos musicais,quadros, fotos em porta-retratos, imagens de santos(as), vitrolas ou discos. Na sua casa de Válega havia um piano, na de Santa Teresa, apenas uma estatueta do Pequeno Jornaleiro num pedestal de mármore em seu escritório e na de Corrêas, tapetes portugueses bordados colocados na parede como se fossem quadros. No Brasil, também gostava de passar períodos em têrmas de água como São Lourenço ou Caxambu no estado de Minas Gerais. Em suas outras duas viagens marítimas, além de temporadas em têrmas, passeou por todo o continente português, parando em hotéis para descansar, de ponta a ponta. Sempre alugava um carro e tinha à sua disposição o Sr. Eugênio Vinagre, de Ovar, como seu motorista todo o tempo de sua estadia lá. Mas, onde realmente se sentia bem, era em sua casa de Válega. Tinha lá também uma escola para crianças carentes.

 

     

     Casa de Válega (parte) – Seu verdadeiro descanso.       Escola Oliveira Lopes (atual) – Válega – Portugal (1999).

                    Uma outra curiosidade sobre ele, foi a de que chegou a tirar carteira de motorista, mas só dirigiu um carro apenas uma vez na sua vida, porque esbarrou num ciclista na estrada de Válega. Nada aconteceu ao homem, mas ele jamais voltou a dirigir carro algum.

                                                                                      

                                                        Sua Carteira de Motorista.

                     Em 1965, não chegou a viajar, em virtude da filha da esposa, Maria Fernanda haver-se casado com um primo-irmão, Artur Barbosa Ferreira. Em vez de lá ir, ofereceu viagem de lua-de-mel e hospedagem ao casal em sua casa de Santa Teresa. Assim, que terminada a cerimônia e a festa, os recém-casados embarcaram em seguida para o Brasil. Levou-os também à casa em Corrêas, passeou por toda a antiga Guanabara e também São Paulo, incluindo Santos.                                                                                                                                                                                                                                             

                    Em 1966 todo o estado da Guanabara foi varrido por um temporal de vários dias, causando muitos estragos e mortes. O local mais atingido foi justamente Santa Teresa, que praticamente ruiu; as casas pareciam “escorregar” morro abaixo e quem lá morava ficou totalmente “ilhado” por semanas. À sua casa nada aconteceu. Mas na de Corrêas, já foi diferente: pela primeira vez em tantos e tantos anos, o rio que passava atrás do terreno subiu de tal forma, que as águas invadiram a casa até poucos centímetros abaixo do teto. Assim que lhe foi possível, foi até lá ver os estragos e, desgostoso com o que viu, decidiu vender a propriedade. Passou a procurar por algo semelhante em Teresópolis, mas não chegou a realizar este empreendimento.

                    Voltou à Portugal em 19 de maio de 1966, lá chegando em 29 de maio. Encontrou-se com Maria Fernanda grávida. Não deixou de passear por lá, agora contando com mais um companheiro de passeio: Artur, marido da enteada. Um dos lugares, que sempre fez questão de ir quando lá estava, era ao Rei dos Leitões, saborear um bom leitão assado, no que o novo amigo o acompanhava com gosto. Embarcou de volta em 17 de outubro de 1966, chegando ao Brasil em 28 de outubro.

                    Em 1967, queria fazer tudo rápido. Comentava que era a última vez em tudo e, apesar do medo que sentia dos aviões e, também em virtude, da enteada menor já estar no Ginásio e não estar podendo perder tantas aulas como dantes, tomou um avião no antigo Aeroporto do Galeão em 23 de junho de 1967 com destino à Lisboa. Maria Fernanda já havia tido uma filha e ele teve imensa alegria em a ir conhecer. Retornou em 18 de agosto e, de fato, nunca mais lá voltou!

 

 

                1.                                                            

                    1.Chegando ao Aeroporto de Lisboa - sua primeira e última viagem de avião.

 

                                2.      

                    2. Ele, a esposa, as duas enteadas, Artur e seus pais, a avó paterna das enteadas e também do Artur e a linda bebê "Belinha".

  

                     Em novembro deste ano de 1967, teimou em fazer uma pequena festa de aniversário para a “sua filha” que estaria fazendo 12 anos de idade no dia 03 de dezembro. Afinal, para ele, “era a última festa que faria à menina”. Assim foi feito, mas a festa reuniu apenas os familiares. Os adultos no segundo andar da casa conversando e, as crianças no primeiro, brincando e dançando e, correndo pelo jardim. A “sua filha” também havia passado de ano na escola e iria cursar o segundo ano ginasial no próximo ano.

 

                                     Ele e a “sua filha” no jardim do primeiro andar de Santa Teresa - 1967

                    No dia 07 de dezembro não se sentia bem: sentia frio e picadas no braço esquerdo. Não foi trabalhar e, com a “filha” foi ao consultório, no centro da cidade, do Dr. Paulo Braz, já acima citado, que lhe recomendou descanso, prescreveu medicação e pediu-lhe determinados exames para o dia seguinte. Dia que ele iria realizar dois projetos: mudar o seu testamento e comprar um novo carro, um Ford Galaxy de cor azul. Já tinha um novo escritório para onde, em breve ,seria instalado, na Avenida Almirante Barroso, 22 Sala 501 – Centro – Rio de Janeiro. Chegou em casa, vestiu um casaco e a esposa o sentou na varanda a tomar um pouco de sol, pois sentia muito frio. À noite, sentia-se melhor já. Jantou normalmente, assistiu ao Repórter Esso e foi deitar-se. Porém não dormiu um só segundo, conversando toda noite e madrugada com a sua esposa dos planos que tinha mas sentia que não os conseguiria realizar. Sua maior preocupação era com o futuro de “sua filha”! Fez com que a espôsa lhe prometesse que daria continuidade na educação da menina, que lhe queria ver tendo uma festa de 15 anos e num casamento feliz, etc. Que estaria “do outro lado” assistindo a tudo isso. Na manhã do dia 08, levantou-se e foi barbear-se, escovar os dentes, mas não chegou a tomar banho pois sentia-se muito cansado. A esposa, disse-lhe que se deitasse mais um pouco e dormisse pois não havia fechado os olhos toda a madrugada. Ele deitou-se, virou-se para o lado esquerdo, pôs sua mão direita sob o rosto, deu um profundo suspiro e...fim: infarto do miocárdio, coronário esclerose generalizada.

                                                                          

                                                                                 Certidão de Óbito.

                    Nessa altura tinha a sua família constituída das seguintes pessoas: Suas quatro irmãs, sendo que Elvira em Válega, Portugal; Maria do Carmo, viúva, em São João da Madeira,e seu sobrinho José Pereira Herdeiro, morando no Brasil; Palmira, separada do marido, suas sobrinhas Lúcia e Olga, casadas, tendo, esta última dois filhos; Deolinda, casada, dois filhos, Paulo casado com Maria Luiza e Vera Lúcia casada com Alberto Tibúrcio Rodrigues Júnior, tendo cada um deles cinco filhos: Deolinda Vitória, Marco Antônio, Belinha, Carlos,Carlos Alberto, Alberto, Regina, Jaqueline, etc. Vera, filha de seu irmão Francisco, que era trazida pela família para comemorações de aniversários, natais, etc, sempre sentada, com a cabeça baixa, os olhos fixos no chão e nenhuma palavra.

                    Por parte da primeira esposa, um sobrinho sempre próximo, Dr.Francelino Corrêa Marques.

                    Por parte da segunda esposa, Joaquim Alves Teixeira casado com Maria da Glória Ferreira e dois filhos: Felisberto Fernando e Antonio José; Maria Fernanda casada com Artur com uma filha: Isabel Cristina; Antonio Alves; Manuel Alves; Teresa Alves do Amaral casada e com uma filha, Nair Amaral Ciuffo, separada, e suas filhas: Nara e Narimar, além de duas netas de seu falecido filho Jaime: Regina e Marina. E a “sua filha”, Marlene.

                    No seu escritório: Sr. Emygdio e seus dois filhos, Emygdinho e Arlindo.

                     A manhã, daquele dia 08 de dezembro de 1967, foi tumultuada, médico, parentes e amigos chegando, todos falando ao mesmo tempo, tratando de velório, enterro, compra de caixão, procura de documentos, etc. O corpo de Manuel foi vestido e colocado num caixão que teve de descer em pé pelo elevador. Lá em baixo o carro funerário já esperando e, em cortejo, seguiram todos para a Igreja de Nossa Senhora da Glória, no Largo do Machado, onde o corpo começou a ser velado. Ficou lá todo aquele dia, noite e manhã do dia seguinte. A tudo isso “sua filha” assistia atônita e assustada a tudo aquilo. Não era verdade! Não podia ser o que ela estava pensando! Mas era! Nesse dia, não permitiram que ela saísse de casa; lá ficou com sua cunhada Maria da Glória e os dois sobrinhos, Felisberto Fernando e Antonio José.

                                                           Igreja N. Sra. da Glória – Velório

                    Ventou e trovejou muito nessa noite, as cortinas vinham até ao meio da sala, as janelas e portas batiam com força, o vento “uivava” pelo túnel co elevador e, choveu bastante forte. Amanheceu um dia claro e, só então, liberaram a menina para assistir ao ritual católico do enterro. Ela foi levada à capela onde o corpo estava sendo velado e, lá estava o “seu pai” deitado num caixão, com as mãos postas sobre o peito e algodão tampava-lhe as narinas. Parecia tranqüilo, em paz, num sono profundo e, que daí há pouco iria acordar, mas, de repente, fecharam o caixão e o carregaram novamente para um carro mortuário. Todo um cortejo de carros foi beirando a Praia do Flamengo até Botafogo, onde foi enterrado no seu jazigo, junto à primeira esposa, suas duas filhas e seu irmão Arnaldo. Cumpriu-se o que ele falava durante todo o ano: “é a última vez!”

 

 

      

Aqui repousa seu corpo desde 08 de dezembro de 1967 - Foto de 1999

                    A missa de Sétimo Dia, foi realizada na Igreja de Nossa Senhora da Candelária, no Centro, reunindo todos os parentes, amigos e conhecidos. Deixou testamento público, que foi aberto, logo depois, em que beneficia parentes, empregados,escolas, creches, instituições beneméritas e de caridade. É um documento longo, com centenas de beneficiados. Foi feito em 25 de novembro de 1965. Depois disto, sua família demonstrou o quanto de ganância possuía e o pouco que ele deixou á sua esposa e filha, tentaram tirar-lhes. Deolinda disse, então, à cunhada “Hei-de deixar-te à pão e laranja”! E, a partir daí, o clima tornou-se muito tenso entre a viúva e a família deste, que, na verdade, sempre a viram como apenas como uma “aproveitadora".

 

            

Missa de Sétimo Dia

 

 

                                                                    

                                                        

                                                            Frente de seu Testamento Público. 

                    A casa de Santa Teresa foi deixada para a irmã Deolinda que jamais lá foi morar, ou qualquer parente seu que fosse. A viúva permaneceu lá até fins do ano de 1969, de onde se mudou com a filha para uma casa modesta na Ilha do Governador. Um mês e poucos dias depois de sua morte, a menina foi parar no Hospital Municipal Jesus, vitimada pela poliomielite. Conseguiu durante bastantes anos de fisioterapia ter uma recuperação considerada excelente e, as promessas que fez a viúva fazer foram todas cumpridas:

 

        1a) A Festa de 15 Anos.                   2a) Formatura em Psicologia        3a) Casamento

 

    1970 – Clube Monte Sinai-Tijuca    Janeiro de 1979 – Hotel Sheraton       1980 – Igreja São José Operário

                    Já está evidente que trata-se da “sua filha” que está narrando e ilustrando este pequeno tributo. Essa filha chamada Marlene, casou-se no dia 13 de dezembro de 1980 e, em sua homenagem, colocou o nome do “pai” em seu convite.

Convite de Casamento de “sua filha”.

                    Ela casou-se com um bacharel em piano, chamado Alexandre Menezes Ferreira, um ano mais velho do que ela e, no dia 10 de fevereiro de 1982, os dois presentearam a este homem com uma linda “netinha".

 

                          O dia do nascimento de Alessandra - "sua neta".  Irmã Adelina (Beneficiência Portuguesa) com a menina no colo.

                                                                     Aquela mesma irmã que ajudou no tratamento de D. Carlinda. 

                    Infelizmente, o casamento acabou não dando certo e terminou em fins de 1983. Alessandra Rodrigues Ferreira, a “sua neta” a quem ensinei a amar esse “avô”, conta hoje com 17 anos de idade e, é uma linda mocinha. Cursa o segundo período de Engenharia de Telecomunicações e, com certeza, todo o amor que eu senti por esse homem maravilhoso que foi o “meu pai”, ela também carrega dentro do peito e, através dela, creio conseguir perpetuar a sua memória. 

                                                                    A "sua neta" Alessandra.

                    De forma total foi ela que me levou a fazer este trabalho. Fez sua primeira viagem à Portugal em julho deste ano, tendo ficado hospedada na casa de sua tia Maria Fernanda que a levou a conhecer suas origens e, o que ela me trouxe sobre sua casa de Válega, me revoltou tanto, que eu precisava colocar o tudo o quanto representou para mim, como uma obrigação gostosa, porque vi que após todos esses anos, tudo aquilo a que ele dava tanto valor e tinha tanta vida está abandonado, com exceção, é claro, do que traz lucro. Foi ela que filmou e fotografou a casa que está em ruínas. As escolas (a antiga, acima, e a moderna como anexo à anterior), estas sim, bem conservadas.

 

            O atual estado de sua casa de Válega: abandonada, em ruínas e mato alto onde haviam jardins, pomar e plantações.

 

O contraste: a nova escola, anexada à antiga e seu estado de conservação.

"Escola Oliveira Lopes" - Válega - Portugal.

                    Diante deste contraste, comecei a pensar como estarão a casa de Santa Teresa e o seu túmulo (fotos acima)? Já de volta, sua “neta” foi conferir de perto e, trouxe fotos também.

                    Santa Teresa?

    

Casa de Santa Teresa – Portões da Frente – 1999       A fachada da casa – 1999        A fachada sob outro ângulo

                    Nunca nenhum dos parentes para lá foi morar, sequer sua irmã Deolinda que sempre lhe dizia : “Manoel, se eu tivesse uma casa como esta nem precisava comer” e, para quem foi deixada em testamento, jamais lá pôs os pés, depois da morte do irmão. A casa tem sido alugada pela atual“Imobiliária Oliveira Lopes”, sucessivas vezes. Somente aqui continua o seu nome: nos negócios. Apagou-se da vida e da memória de seus descendentes.

                    Julgo ter conseguido transmitir tudo o que este “pai” representou na minha vida: um pai = carinho, apoio,dedicação, compreensão, cuidado, acompanhamento, amizade e, muito, mas muito AMOR, acima de qualquer outra coisa. Sua memória em meu coração estará eternamente viva.

Obrigado por tudo que fez em vida por mim!

Sua “eterna filha”,

Marlene A. T. R. Ferreira

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