![]() Garbage Tom Zé Câmbio Negro Catalépticos P&R Lobão Cowboys Espirituais Max Cavalera COLUNISTAS CINISMO ALTO-ASTRAL por Émerson Gasperin ESPINAFRANDO por Leonardo Panço OUTROPOP por G. Custódio Jr. PENSAMENTOS FELINOS por Tom Leão ROCK & RAP CONFIDENTIAL por Dave Marsh atenciosamente, por rodrigo lariú CORRESPONDENTES INTERNACIONAIS A DECADÊNCIA DO IMPÉRIO NORTE-AMERICANO por Cassiano Fagundes WICKED, MATE por 90 BR-116 Pequenas Capitanias Comédias Outros Carnavais Por Fora do Eixo Arroz com Pequi Loniplur-RJ Das Margens do Tietê Distancity Leite Quente Londrina Chamando HISTÓRIA Leia no último volume Canalha! Miniestórias RESENHAS Damned NME Premier Festival (shows) Delgados Punk Rock Stamp Fellini (show) Plastilina Mosh Neutral Milk Hotel Fury Psychobilly Gastr Del Sol Pólux Afghan Whigs Ritchie Valens Marcelo D2/ Resist Control (show) Limbonautas Cartels Babybird Elliot Smith |
OUÇA NO ÚLTIMO VOLUME 1999 - o conto (respire fundo e leia) Feliz 1999, Julia disse, deixa eu sentar ao seu lado, João demorou para reconhecê-la, ah, ele falou, você é a mulher que estava dançando Pulp lá na cozinha, João percebeu que Julia ainda estava de pé, senta, ele convidou, Julia tirou os sapatos e sentou à beira da piscina com os pés dentro dágua, aqui está gostoso, ela falou, está muito quente lá dentro, e sorriu, mas João estava bêbado demais para entender o sorriso, por isso disse apenas algo como eu também gosto muito de Pulp, aquela letra de "Like A Friend" é cruel, mas a música é maravilhosa, e Julia comentou que o legal de Pulp era o realismo das letras, a vida é cruel mesmo, ela disse, sei que é clichê mas é a verdade, e foi então que João começou a dizer aquelas coisas, talvez fosse o excesso de álcool, mas ele não poderia evitar porque cada vez que olhava para Julia lembrava do que havia visto há duas, três, quatro horas, Julia tão bonita com seu vestido preto, e isso era o mais lindo, ela era a única mulher de vestido preto na festa, todas as outras estavam de branco, sim, Julia com seu vestido preto dançando ao som de "Like A Friend" do Pulp lá na cozinha, em meio aos pratos, garrafas, copos, geladeira, forno de microondas, movimentando seu corpo como se aquela fosse a última dança de sua vida, João não conseguia parar de pensar naquilo e tudo começou a fazer sentido e, então, ali à beira da piscina, os dois bêbados, final de festa, com os pés molhados e esperando o sol nascer, João começou a dizer aquelas coisas, coisas do tipo é uma pena que a gente tenha se encontrado apenas no começo de 1999, porque, afinal, você parece ser tão especial e eu gostaria que a gente pudesse passar mais tempo juntos, mas, você, sabe, estamos em 1999 e isso não é justo, o que não é justo, Julia quis saber, não é justo, ele disse, simplesmente não é justo, não é justo que eu conheça você logo quando o mundo está prestes a terminar, sim, você tem razão Julia, a vida é cruel como uma canção do Pulp, é cruel, é injusta, é triste, mas se você quiser eu posso viver cada um dos últimos 365 dias que ainda nos restam ao seu lado, como assim, ela perguntou, como assim o quê, João disse, como assim 365 dias que nos restam, sim, talvez fosse o excesso de álcool mas João disse ué, você não sabe, estamos em 1999, este é o último ano do milênio, na virada de 1999 para 2000 o mundo acaba, Julia, assustada e surpresa, olhou fixo para João e disse você está louco, não estou louco não, ele falou, você acredita nesta mentira, ela perguntou, João apenas disse claro, eu acredito em profecias, Julia, então, segurou a mão esquerda de João e falou você pode acreditar o quanto quiser nesta história de que o mundo vai acabar no final do milênio, mas é bom que você saiba que o terceiro milênio começa em 2001 e não do ano 2000, João duvidou, tem certeza, ele perguntou, tenho, Julia disse e ele se sentiu o maior idiota do mundo, tenho que parar de beber, pensou, tenho que parar de beber e ficar dizendo estas bobagens, mas logo percebeu que aquilo era uma boa notícia, o mundo não vai acabar no ano 2000, puxa, que bom, quer dizer que ainda tenho muito tempo para ficar com você, ele falou, e quem disse que vou querer estar com você, ela perguntou, eu nem conheço você direito e João apenas apertou com força a mão de Julia e disse nós temos 730 dias para você me conhecer melhor, é mesmo, Julia perguntou, é, ele afirmou e, segundos antes de beijá-la pela primeira vez, enquanto o DJ da festa colocava novamente Pulp no som, João disse feliz 1999. André "Tax" Takeda é autor do livro O Clube dos Corações Solitários. Os textos só
poderão ser reproduzidos com a autorização dos autores |