![]() Garbage Tom Zé Câmbio Negro Catalépticos P&R Lobão Cowboys Espirituais Max Cavalera COLUNISTAS CINISMO ALTO-ASTRAL por Émerson Gasperin ESPINAFRANDO por Leonardo Panço OUTROPOP por G. Custódio Jr. PENSAMENTOS FELINOS por Tom Leão ROCK & RAP CONFIDENTIAL por Dave Marsh atenciosamente, por rodrigo lariú CORRESPONDENTES INTERNACIONAIS A DECADÊNCIA DO IMPÉRIO NORTE-AMERICANO por Cassiano Fagundes WICKED, MATE por 90 BR-116 Pequenas Capitanias Comédias Outros Carnavais Por Fora do Eixo Arroz com Pequi Loniplur-RJ Das Margens do Tietê Distancity Leite Quente Londrina Chamando HISTÓRIA Leia no último volume Canalha! Miniestórias RESENHAS Damned NME Premier Festival (shows) Delgados Punk Rock Stamp Fellini (show) Plastilina Mosh Neutral Milk Hotel Fury Psychobilly Gastr Del Sol Pólux Afghan Whigs Ritchie Valens Marcelo D2/ Resist Control (show) Limbonautas Cartels Babybird Elliot Smith |
U.N.K.L.E. O que é a cultura pop? É um monte de pessoas querendo que você compre coisas que são legais. É um mercado, como os outros, só que aqui você não compra o que realmente precisa, mas aquilo que te ajude a fazer parte de uma elite cultural. É o capitalismo chegando na cultura, quando ela não é adquirida através de livros e sim do ato da compra de um livro. É claro que o conteúdo importa, mas não é o principal. O conteúdo é só um rótulo, uma forma de facilitar a venda. É claro que não se pode resumir tudo a isso. É claro que existe uma razão para esta cultura ser, existe espaço para a criação artística, liberdade e criatividade serem exercitadas (como nunca foram, diga-se de passagem). Em tempos em que a felicidade é medida por dinheiro, nada mais lógico que a arte se transformasse em comércio. E se você fizer uma careta feia nesta associação de idéias, observe ao seu redor. Infelizmente não sobrevivemos sem dinheiro e este é o verdadeiro monopólio. Escravos da moeda, só nos resta medir a arte financeiramente. Pode-se pôr um preço na arte? Por mais que tentem negar isto, a nona sinfonia de Beethoven não custa mais do que uma refeição para três pessoas, em qualquer loja de discos. O certo é que a forma que a arte encontrou para ser veiculada na Era do Dinheiro é tornando-se produto - e daí surge a cultura pop. Nela, o museu é o shopping center e podemos não só pagar, como levar para casa o que quisermos. Assim surgiram os novos artistas, gente que sabe o que o público quer e como levar o espectador um passo adiante. Gente que precisa do espectador como o espectador precisa dele, novos mitos a serem adorados em totens comprados nas melhores casas do ramo. Seja música (discos), teatro (cinema), literatura (revistas e jornais), artes plásticas (quadrinhos e grafite), a cultura pop inventou um novo formato para a arte. A ponto de um de seus veículos, a TV, ter gerado toda uma subcultura própria e auto-suficiente. Assim como vem acontecendo com a Internet. Por isso o primeiro disco do U.N.K.L.E., Psyence Fiction (importado), seja o melhor representante da cultura pop nos dias de hoje. Ele basicamente define o que é importante nesta cultura atualmente, funcionando como termômetro e lançador de tendências ao mesmo tempo. Construído como um disco definitivo, Psyence Fiction é o centro de 1998, talvez o disco que colocará este ano no mapa, o Woodstock desta geração. Mas quem raios é este U.N.K.L.E.? Concebido como um não-grupo, que apenas remixaria faixas de artistas diferentes, o U.N.K.L.E. faz parte da nova definição do conceito de música armado por James Lavelle. Lavelle, pra quem não conhece, é dono da gravadora inglesa MoWax que, junto com a Grand Royal, dos Beastie Boys, e a Matador, é a companhia de discos cujos lançamentos são vendidos pelo selo. Como as duas outras (que centralizam a melhor produção californiana e nova-iorquina, respectivamente), a MoWax só contrata artistas que sejam bons, independente do gênero. Reunindo disparidades como Money Mark, Carl Craig, Air e Kept it Real, ela aos poucos se afirmava como 'a' gravadora britânica, o contraponto artístico da comercial Creation. Endtroducing, o aclamado disco de DJ Shadow, e as coletâneas Heads apenas consagraram-na no posto que ela hoje ocupa. Só que o U.N.K.L.E. não era uma banda. Foi uma forma que ele e seu ex-sócio, Tim Goldsworthy, encontraram para fazer música sem ser artistas - fazendo apenas remixes. Só que, no duo, Tim era a parte musical, mexendo espertamente em músicas do Tortoise e Jon Spencer Blues Explosion e colaborando com Howie B, o grupo japonês Major Force e Portishead no primeiro EP do grupo (The Time Has Come), enquanto Lavelle fazia os contatos. Tanto que, quando previu um futuro racha com o companheiro, devido à tensão no ambiente, James foi rápido em convocar o recém aclamado DJ Shadow para trabalhar na banda. Seis meses depois da entrada de Shadow, Tim abandonou o barco, numa briga istórica com Lavelle, rompendo a amizade entre os dois. Começava 1997 e os planos pro U.N.K.L.E. se tornar uma banda também. Com Shadow no comando musical, o grupo não era mais um remix e sim um grande mix de referências. Como mostrou em seu primeiro LP, DJ Shadow era habilidoso ao casar climas, sobrepondo discos e atmosferas - mas precisava de uma base inicial para trabalhar. Então veio Lavelle e decidiu juntar vocalistas de bandas legais para chamar atenção da mídia. O primeiro a ser chamado foi Richard Ashcroft, que havia acabado de dissolver sua banda, o Verve. Depois veio Thom Yorke, mal ele acabou de fazer os vocais para OK Computer, do Radiohead. Tiraram o arranjador de cordas Will Malone das sessões de Mezzanine, do Massive Attack, e Mike D do porão onde os Beastie Boys terminavam de esculpir Hello Nasty. No meio do caminho apareceram menos famosos de respeito, como o baixista do Metallica, Jason Newsted, e o sobrevivente da old-skool Kool G. Rap. Novatos como a as cantoras Alice Temple e Angelique Khan e o promissor Badly Drawn Boy também deram o ar de suas graças num disco-festa cujo único convite recusado estava em nome de Ian Brown, ex-Stone Roses (que revelara ao 1999 estar trabalhando justamente com DJ Shadow).
Então tanto Lavelle quanto Shadow começam a falar em dor e sofrimento no processo de criação, tratam o disco como um filho e acreditam que o disco tenha o mesmo grau de drama. O certo é que Psyence Fiction não é Apocalypse Now. Sua pré-história é metade de seu resultado e, como quase tudo que pode ser descrito à primeira vista, não é tão novo assim. Tecnicamente, o disco é de DJ Shadow. Não duvide de suas crescentes habilidades no estúdio - tanto quando cozinha seus ambientes sonoros quando se entrega aos prazeres onanísticos do exercício do virtuosismo na picape, ele não decepciona. DJ Shadow a cada passo que dá cresce como músico e cada vez mais faz por merecer a coroa de "Hendrix dos DJs". Como o disco de qualquer DJ, a linha mestra de Psyence Fiction não é fácil de ser encontrada. Os pólos são muito distintos, as referências são díspares por natureza. O disco inteiro parece uma compilação de singles de vários artistas remixadas por um mesmo DJ. E é exatamente isso - a espinha dorsal do disco é a mão de DJ Shadow. É ele quem dá união a todo o disco, trocando o paralelo que o disco conceitual fazia com composições clássicas para um filme. Psyence Fiction é um filme sonoro sobre o que é legal na atualidade. O disco abre com uma versão minimal para o conceito de barulho. Estática, teclados, uma oscilação ao fundo e um "bip" insistente aumentam o barulho para o narrador entrar "Em algum lugar do espaço, isso pode estar acontecendo agora" e entra "Guns Blazing (Drums Of Death Part 1)", construída em cima de uma saraivada de tambores metralhados com a mesma raiva que a voz de Kool G. Rap. A faixa é pura tiração de onda de Shadow, em que o DJ fica apenas acrescentando sons que nos levam a crer que mesmo com toda aquela percussão, a faixa é lenta. Entra então o "U.N.K.L.E. Main Title Theme", onde um exercício de guitarra a la Robert Fripp serve para o DJ juntar elementos de todas as faixas do disco, como um flashback no começo do filme que entrega o que vêm pela frente. No meio da música, entre violinos, oboés e pedaços da fala de Mike D, surge Coppola explicando que "eram muitos de nós, tivemos acesso a muito dinheiro e a muito equipamento e, aos poucos, piramos". O tema da banda parece pedir perdão pelos excessos que vêm a seguir e termina revelando que aquilo é um "ingresso pro nada absoluto". Um dos primeiros é a lacrimosa "Bloodstain", da cantora Alice Temple. Triste e chorona, a canção é uma daquelas baladas suicidas que podem ser tocadas em rádio. Mesmo as boas idéias para segurar a voz de Alice (que parece estar suspensa por um gás misterioso) não justificam a inclusão no disco. Os dois são redimidos com a bela "Unreal", um lamento caubói da mesma veia que "High Noon", só que com mais pique. Ela parece ter sido feita para não deixar "Bloodstain" ser seguida de "Lonely Soul", porque o resultado seria fatal. "Lonely Soul" é belíssima. O vocal de Richard Ashcroft e sua letra suicida de verdade ("Eu acredito que chega uma hora em que a corda da vida deve ser cortada, amigos") são mais tocantes do que qualquer coisa que ele já fez com seu conjunto antigo. O arranjo de cordas de Will Malone nos faz deslizar com dor pela fina navalha deste romantismo, acrescentando o clima de desilusão poética que talvez Shadow não conseguisse fazer. Resta ao DJ casar os dois, num esforço cujo estresse lhe deu uma hérnia. Mas pode ser mentira. Novamente uma faixa serve de vinheta pra quebrar o clima. "Getting Ahead In The Lucrative Fields Of Artists Management" é uma propaganda antiga de um jogo chamado Ballbuster ("fácil como damas, estratégico como golfe") e dá espaço para Nursery Rhyme. Outro grande momento do disco, "Nursery Rhyme" traz Badly Drawn Boy, promessa do lo-fi inglês, à vontade com um riff pesado de guitarra, traduzindo suas melodias grudentas para um espaço mais ambicioso que o que reside normalmente com muita propriedade. Outra colaboração entre Shadow e Malone acontece mais tarde em Celestial Anihilation, no único momento do disco que nos lembra que o disco poderia ser a continuação de Blue Lines, do Massive Attack (outro boato pré-lançamento), com orquestra, beats e baixo slap trabalhando em conjunto. "The Knock (Drums Of Death Part 2)" com Mike D e Jason Newsted nos assusta com a possibilidade da bomba que poderia surgir se DJ Shadow mixasse os Beastie Boys. Aqui, os tambores dão lugar a uma orquestra e uma bateria tradicional para fazer a percussão. E Shadow não resiste à tentação e mostra seus dotes old-skool com a presença de Mike D. A bela e bucólica "Chaos", com vocais de Angelique Khan, também não precisaria estar no disco, de tão óbvia. Por baixo de sua voz doce, toda uma cidade surge, buzinando, conversando, fazendo barulho. Mas esta só é a introdução para o último grande momento do disco. Quando Thom Yorke começa a cantar "Rabbit In Your Headlights", somos transportados para uma faixa secreta no final de OK Computer, no momento mais agradável do disco. E, novamente, Coppola aparece mais para confundir que para explicar. "Eu sinto que isso foi a coisa mais incrível e mais maravilhosa que já fui oferecido e também a pior. Fui levado à mais extremas absolutas profundezas do terror da minha alma, por um lado. Por outro, meu espírito encontrou a alegria." Ao terminar, Psyence Fiction se explica. Ele procura em diversos meios a essência do que é legal hoje, seja no hip hop, no rock alternativo, no techno, no folk, no metal onde for. E aproveita a deixa para vender-se da melhor maneira possível. Pessoas querendo que você compre coisas que são legais. Bom ou não, Psyence Fiction é a essência da cultura pop hoje. .Os textos só poderão ser reproduzidos com a autorização dos autores |