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04.01.1999

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NENHUM DE NÓS
Sobre o tempo

Por Abonico R. Smith

Alguém acredita que, três décadas depois, o mais famoso slogan hippie ainda encontre alguma possibilidade de deixar de ser uma mera utopia? Thedy Corrêa, baixista e vocalista do Nenhum de Nós, tanto acredita, que ainda procurou dar um novo significado para a expressão "Paz e amor", batizando assim o novo álbum do grupo gaúcho.

Para quem estranha este título à primeira vista, Thedy faz questão de esclarecer que é tudo parte de um conceito. "Sempre acreditamos que este disco teria uma espinha dorsal que costurasse todas as faixas. Partimos então da famosa expressão da década de 60, que até hoje está vinculada à idéia do grupal, do coletivo, da sociedade. Decidimos transpô-la para os dias de hoje, fugindo da questão do egoísmo e dando um sentido mais individual, daquela coisa de 'deixa eu primeiro resolver o meu próprio mundo para depois me entender com o resto'. Esta interpretação anos 90 ainda traz uma esperança positiva para o fim do século. Passa uma tranqüilidade serena, afirmando que a vida vai continuar tão boa como sempre foi."

Tentando botar em ordem o seu próprio universo, o quinteto chega ao sétimo álbum em dez anos de trajetória podendo se vangloriar de ser um dos raríssimos exemplares de carreira sólida no rock brasilis a desafiar a durabilidade e os obstáculos intempestivos da nossa indústria fonográfica sem fazer concessões. Em todo este tempo, a banda nunca precisou aderir (ou fazer falsos alarmes) a sonoridades incompatíveis com sua proposta inicial, gravar dois álbuns acústicos logo em seguida ou simplesmente chegar à triste conclusão de que as atividades deveriam ser encerradas ou postas em estado de animação suspensa. Paz & Amor, disco editado pelo selo meio-independente paulistano Paradoxx, é a marca da produtividade de Thedy, Sady Homrich (bateria), João Vicente (teclados/acordeon), Carlos Stein e Veco Marques (guitarras e violões). "Nem sempre com o mesmo sucesso, mas primando pela obrigatoriedade da boa música".

Thedy, na verdade, se refere à recente dança das gravadoras vivida pela banda -- depois de uma série de quatro álbuns na BMG, o Nenhum de Nós passou pela PolyGram (hoje Universal-PolyGram) e Velas, até desembarcar na Paradoxx. "A cobrança em cima do artista altera os rumos do trabalho. O que fizemos, na verdade, foi nos livrar da dependência. Depois do nosso terceiro disco, Extraño, optamos definitivamente pelo caminho das pedras. Por sorte, para a gente, isto não foi fatal. Conseguimos manter o trabalho."

O fato é que Paz & Amor é surpreendente. Por ter sido mixado no País de Gales, no mesmo estúdio Rockfield por onde já passaram Manic Street Preachers, Charlatans, Queen e Oasis (foi lá que os irmãos Gallagher conceberam o multiplatinado (What's The Story) Morning Glory?), e masterizado em Londres, o álbum saiu com uma perfeita sonoridade de banda pop britânica. O resultado satisfez os músicos e prova que um grupo nacional pode soar bem primeiro mundo - ou seja, ter batidas eletrônicas pesadas, guitarras dedilhadas fortes e aquele groove encorpado. "Basta trabalhar com técnicos que tenham um padrão de rock. E o mais surpreendente é que gastamos três vezes menos do que gastaríamos aqui no Brasil", comenta Thedy.

As surpresas sonoras já saltam aos olhos - ou melhor, aos ouvidos - logo na primeira faixa. Guitarras dispostas em vibratos e dedilhados anunciam um dos grandes momentos do grupo. Superando todos os limites da verve pop cristalina evidenciada anteriormente (como nos hits "Camila, Camila", "Eu Caminhava", "Fuga", "Extraño", "Sobre O Tempo", "Ao Meu Redor" e "Vou Deixar Que Você Se Vá"; ou na recente faixa de trabalho "Da Janela", que, apesar dos segundos iniciais chuparem os acordes furiosos de "Love Will Tear Us Apart", clássico da banda inglesa pós-punk Joy Division, consegue ser mais Lulu Santos que o próprio), o Nenhum de Nós faz da dor-de-cotovelo a força-motriz de uma grande pérola pop. "Você Vai Lembrar De Mim" (assim mesmo, com um erro gramatical no título para não complicar a métrica) é baladaça chapante, de melodia tão grudenta quanto jingle de comercial de calça jeans (o refrão, irresistível, conquista logo na primeira audição) e arranjo rico em texturas e pequenas nuances de progressões harmônicas. Não bastasse o grande apelo musical, versos como "Tudo bem se não deu certo/ Eu achei que nós chegamos tão perto/ Mas agora com certeza eu enxergo/ Que no fim eu amei por nós dois/ (...) Você vai lembrar de mim/ Que o nosso amor valeu a pena" são de fazer qualquer coração sensível produzir um rio de lágrimas em dias de alto teor emocional.

"Você Vai Lembrar De Mim" não só abre com louvor um grande desfile de letras de cunho personalíssimo (no decorrer do álbum cabe até uma inimaginável releitura de "Meu Mundo E Nada Mais", balada levada ao piano por Guilherme Arantes que se transformou em um grande sucesso radiofônico em meados da década de 70) como também bate de novo em uma tecla recorrente no repertório de sentimentos verbalizado pelo compositor: o fato de que o protagonista de muitas das canções sempre acaba chegando à conclusão de que ama bem mais do que as suas mulheres.

"Nunca pensei nisso conscientemente, até mesmo por evito o eu-Thedy", explica o baixista. "Na verdade as minhas letras procuram passar uma igualdade de sentimentos, já que o homem, em geral, não procura se assumir como a parte mais interessada em um relacionamento. O bom é que os versos permitem uma leitura aberta. Os gays também me contam que se identificam muito com o que eu escrevo."

Uma rápida olhada pelo resto do encarte leva à conclusão de Thedy também não consegue evitar uma outra perturbação: as reflexões sobre o tempo. "Assim como Borges era perseguido pelo espelho, eu tenho umas palavras que se impõem sobre mim. O tempo é uma delas. Me aflige e serve como referência. Ao mesmo tempo ele provoca e resolve várias coisas". Thedy, contudo, nega que se sinta obcecado pelo tempo da mesma forma que o coelho branco da história da Alice. "Gosto é de acompanhá-lo, senti-lo como uma brisa no rosto. Não sou muito de ficar para trás, não."

Uma das faixas que representa bem a eterna briga travada entre o vocalista e os ponteiros do relógio chama-se "Clubber" (engana-se quem pensa que o Nenhum de Nós se rendeu ao techno: aqui o mais próximo que se chega das pistas de dança é a cara disco music imposta ao refrão). "Li uma vez que o que o clubber faz quando sai para dançar é um ritual de passagem da noite. Então, a letra procura falar sobre a busca de equilíbrio e solução dos problemas entre duas pessoas que não servem para ficar juntas mais do que por uma noite."

E foi justamente falando sobre o tempo, os sentimentos e os relacionamentos que Thedy se firmou como um dos bons compositores do pop nacional - embora ainda seja meio renegado até hoje pela mesma imprensa especializada que tratou de apedrejar o grupo, sem dó nem piedade, no início da carreira.

Diante do panorama sofrível no qual se encontra a verborragia da música popular brasileira, ele não hesita em jogar as primeiras pedras. "É extremamente lamentável que um país da tradição de grandes poetas e letristas se renda a versos tolos, que servem como bulas de dança e colocam a carne humana em exposição". O vocalista, contudo, procura livrar a cara do pessoal mais ligado ao rock. "Aí tem gente boa, como o Planet Hemp e os Racionais. Queira ou não queira, estes estão preocupados em discutir algumas questões, como a droga e o sistema carcerário. Tem muita gente preocupada em mostrar a cara, mas o que se quer mesmo é mostrar a bunda."

Thedy continua a saraivada e aumenta o grau de subversão (ou seria veracidade?) de seus comentários. "A grande maioria dos artistas procura dar somente o circo para o povo e não está nem aí para com o pão. Até um tempo atrás a música brasileira era um grande instrumento de conscientização das pessoas. Hoje é o inverso, serve como anestesia, como veículo da inconsciência. Estes cantores preocupados apenas em usar óculos escuros na testa e terninhos Versace diante das câmeras cumprem o papel de manipulação da massa e manutenção do poder."

Falou e disse.

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