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01.02.1999

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Por Gustavo Mini

As Três Cabeças da Professora de Geografia

O colégio tem dessas coisas. A gente apanha dos garotos mais fortes e é ignorado pelas gostosonas. Tudo bem. Um sistema em perfeita harmonia funciona assim. É a balança da natureza. A lei não escrita. Por isso, sempre me resignei na minha posição agüentando tudo, na certeza de que ali era o meu lugar.

O primeiro dia de aula sempre era o pior. Era a oportunidade de conhecer as garotas que eu nunca iria agarrar e tomar uns sopapos de garotos novos e ainda maiores que os antigos marmanjos.

A minha única vingança acontecia dentro de um estúdio instalado no quintal da minha casa. Com uma guitarra barata, um amplificador CCE que funcionava também como um maravilhoso fuzz e uma rudimentar bateria eletrônica, eu registrava todo o meu ódio em um gravadorzinho de cassetes que muitas vezes insistia em me ignorar.

Sempre gostei de minhas músicas, eu e somente eu as escutava. Mas uma inquietação crescente tomava conta de mim a cada sessão de gravação. Alguma coisa faltava. Havia, em algum ponto das canções, um vazio que sabe-se lá como seria preenchido.

E ali estava eu, então, mais um primeiro dia de aula. As costelas doíam de um abraço de urso oferecido por Jarbas, um cara que não tinha completado os doze anos mas que tinha mais barba que os retratos de Karl Marx nos livros de história. Com o walkman, eu escutava outra fita produzida nos últimos dias de férias e a agonia de não sentir as canções prontas crescia por sobre as costelas doloridas ou o cochicho debochado das gostosonas que me apontavam seus dedos pintados com esmalte importado.

Por isso, quando a professora entrou na aula, tive a melhor sensação de minha vida. Algo como um acalento divino que me colhe da aula e eleva aos céus, dando uma nova dimensão da participação do meu ser na harmonia universal.

Fui o primeiro para quem a professora de Geografia sorriu. Ela tinha três cabeças e seu sorriso triplo era o prenúncio do que viria a acontecer.

Depois de alguns bimestres de flertes discretos, porém intensos, passamos a nos encontrar escondidos com freqüência. Mais precisamente, no meu estúdio improvisado, onde gravamos mais canções do que havia estrelas no céu, todas elas mais brilhantes e vivas do que qualquer corpo celeste.

O coro de suas três bocas era o que faltava para que eu pudesse dormir em paz junto com as centenas de fitas cheias de guitarras com fuzz.

Gustavo Mini toca nos Walverdes e edita o zine Poneifax.

Os textos só poderão ser reproduzidos com a autorização dos autores
© 1999

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