 05.04.1999
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KURT COBAIN
Por Abonico R. SmithAndando na Contramão
Foram três dias conturbados. A angústia manifestava-se sem parar, embora não se
soubesse o porquê. Dor batendo forte no peito e uma vontade enorme de chorar. Sem parar.
Na terceira noite, um barulho no quarto com a velocidade de um carro de fórmula 1.
Parecia que alguém havia passado mas não podia ficar muito tempo. Nem podia ficar. Até
que a manhã de sexta-feira chegou. O dia amanheceu tranqüilo, com passarinhos cantando
alegres pelas árvores e ruas sem muito movimento. O desespero impertinente se dissipara,
sem deixar rastros.
Sexta-feira, dia 8 de abril de 1994. A toda hora a tevê traz a notícia que todo mundo
esperava mas ninguém queria ouvir. Depois de três dias de muito mistério, finalmente a
polícia de Seattle encontrava Kurt Cobain. O corpo estava estirado, no chão da garagem.
Uma bala solitária na cabeça e um bilhete de despedida junto ao vaso derrubado. Milhões
de pedidos de desculpas. Aos fãs, à mulher, à filha pequena de dois anos, à mãe.
Acabava-se ali o grande sonho de reconstrução de um rock'n'roll verdadeiro, sincero,
com a mesma honestidade que deveria ter existido desde o início. Kurt é quase
unanimidade quando apontado como o principal nome da música deste século - afirmações
contrárias sempre existirão, porém nunca se desvincularão do teor emocional contra
Cobain ou a favor de qualquer outro artista. Mas o fato é que ninguém mais conseguiu
mexer tão a fundo com as sensações e emoções de um planeta inteiro.
CELEUMA
Um caipirão dos cafundós do território americano, mais precisamente de
Aberdeen (pequeno município próximo às cidades de Olympia e Seattle, ambas dois grandes
centros de produção de rock independente americano) que tem obsessão por artes
(pintura, música, poesia) e armas sai de sua granja para varrer de assalto o globo azul e
verde. Na música, provoca uma total e completa inversão de valores. E para o bem -
afinal, Kurt provou por A + B que o personagem mais fácil para um popstar interpretar
seria o dele mesmo. Sem maquilagem e arrogância. Sem grandes pompas ou sustentação de
enfadonhos pseudocaráteres. Sem barreiras frente a seu público. E na moda, faz uma
indústria inteira querer vestir o uniforme dos lenhadores e jovens entediados da região
- isto é, bermudões, sapatos pesados, camisas xadrez e gorros para espantar o frio da
cabeça.
Influência maior, porém, Kurt Cobain provocou no quesito comportamento. Em uma época
na qual nenhuma grande mudança pode acontecer sem ter por trás o patrocínio da grande
indústria, do corporativismo, o guitarrista fez todos os incrédulos e provectos senhores
escravos da ideologia executivista (como o termo não existe, fica aqui uma proposta de
neologismo) que a fé realmente pode mover montanhas.
Traduzindo: mesmo com anos e anos de atraso, a filosofia punk do faça-você-mesmo
balançou todas as estruturas sócio-econômico-culturais. Tanto que uma reles bandinha
independente americana provocou uma grande celeuma. Como todos nós não aprendemos na
escola, tudo que é corpo estranho ainda devidamente não-identificado é capaz de
provocar e despertar as mais diversas (e controversas) reações das pessoas devidamente
catalogadas para a função da etiqueta.
Com o grunge, vertente mais poderosa do grande rock independente americano que vinha se
articulando há duas décadas, aconteceu isso. Mesmo com todo o descrédito, incomodou - a
primeira reação do corporativismo foi tachar tudo o que vinha dos porões como
"alternativo" (alternativo a quê? Então o que é o "normal"?). E foi
tão mais além, a ponto de provocar a mais rápida atitude do serial pensamento
industrial que governa a nossa vida. Para ser destruído, o grunge (e, conseqüentemente
todo o rock alternativo) foi rapidamente absorvido pelo sistema. Melhor do que lutar
contra o inimigo é aniquilá-lo colocando-o habilmente para fazer parte do seu jogo e ter
as mesmas regalias.
O Nirvana não foi o único grande prejudicado nesta história de absorção. Mas
certamente Kurt Cobain entrou para a história como o grande mártir da década. Sua
simplicidade - doçura e ingenuidade - era extremamente incompatível com a voracidade da
indústria cultural. Ao mesmo tempo em que só queria tocar e se divertir, acabou sendo o
protagonista de uma disfarçada caça às bruxas. Da fisionomia frágil (tinha escoliose e
fortes e incessantes dores estomacais), acabou escolhendo o caminho das drogas para fugir
dos poderosos tentáculos que lhe abraçavam e batiam ao mesmo tempo.
As drogas também serviam para combater as tais dores. Quanto mais dores, quanto mais
frustração com a vida e a carreira, mais drogas. A situação chegou ao incontrolável,
afetando o casamento e a trajetória do Nirvana. Depois de tanta confusão e
desesperança, tentou enfim cumprir a velha ameaça de se matar. Em março de 1994,
durante uma passagem da banda por Roma, tomou uma overdose de Roypnol (remédio
fortíssimo para tratar ansiedade e insônia, proibido em todo o território americano) e
ficou em coma por vinte horas. Se a primeira tentativa foi em vão, na segunda não houve
falha. Enquanto a mulher Courtney Love passava uns dias fora para lançar o novo disco de
seu grupo, o Hole, Kurt se trancou em casa e mandou uma bala contra a própria cabeça.
Não se pode ter a exatidão de quando aconteceu o tiro. O corpo foi achado no dia 8 de
abril e médicos legistas informaram que o disparo pode ter ocorrido entre 24 a 48 horas
antes.
HISTÓRIA
Voltando um pouquinho mais na história, não é difícil identificar as razões
que levaram a improvável cidade de Seattle (situada no noroeste americano, no estado de
Washington) a se transformar na grande meca musical fin-de-siécle. O que mais se pode
fazer em um lugar onde chove o dia inteiro e quase todos os dias? Adolescentes e quem mais
não acaba sendo tomado pelo tédio e o jeito é ficar trancado em casa. E a única saída
para exorcizar toda a veia expressiva sublimada pelo tempo ruim é cair para o lado das
artes. Ponto pacífico número um: todo adolescente sempre acabou fazendo parte de uma
banda de rock em Seattle.
Mas havia algo mais, um elemento simples, porém bastante eficaz, que fez a diferença
nas produções locais. Longe de tudo geográfica e culturalmente, os grupos puderam
desenvolver identidade própria - da mesma forma que os japoneses desprezaram o capital
estrangeiro e passaram a construir após a Segunda Guerra uma das maiores potências
econômicas mundiais. Apenas algumas pitadas do pré-existente (heavy metal, hardcore,
punk, new wave) foram adicionadas para aguçar o tempero. Algo semelhante ao consistente
rock curitibano, que sempre insistiu em caminhar por pernas próprias, independente de
interferências "estrangeiras".
Seattle e o Nirvana acabaram entrando para a história confirmando o velho ditado que
diz que Deus escreve certo por linhas tortas. Um grupelho qualquer, munido apenas de
despretensão e talento, mudou todo o rumo da história, desbancando popstars
egocêntricos e tirando do caminho tudo o que era fake demais. Obrigado, Kurt. Obrigado.
Pra ver e ouvir
Bleach (Sub Pop/Geffen, 1989)
O mítico primeiro álbum do grupo, gravado antes da entrada de Dave Grohl e com o
orçamento chulé de apenas 613 dólares. Sob a batuta de Jack Endino, produtor e padrinho
de todas as boas bandas de Seattle no final da década passada, Cobain, Novoselic e Chad
Channing (o segundo guitarrista Jason Everman está creditado, embora não tenha
participado das gravações) são flagrado em seu estado mais cru e bruto. São
perceptíveis influências do peso e dos riffs circulares do Black Sabbath
("Blew", "School", "Big Cheese") e das distorções e
microfonias punk do Sonic Youth ("Paper Cuts", "Downer",
"Negative Creep"). O Nirvana também já apontava em "About A Girl" os
grandes caminhos extremamente melódicos que se consolidariam em parte marcante de seus
arranjos.
Nevermind (Geffen, 1991)
Em meio à caça desenfreada das grandes gravadoras por nomes do circuito alternativo, a
poderosa Geffen não poderia ter feito melhor ao chamar o produtor Butch Vig para lapidar
o diamante em estado bruto. Vig transformou a pancadaria do grupo em algo perfeitamente
acessível e palatável. O disco, que chegou a vender nos Estados Unidos 35 mil unidades
diárias em seu primeiro ano de existência, tira o fôlego de qualquer um. Traz um
petardo após o outro, sem dó nem piedade para ouvidos mais sensíveis. Considerado o
principal álbum da década (obra-prima perfeita para uns, um dos dez melhores discos do
rock'n'roll de todos os tempos para outros), Nevermind fez a festa em hits ("Smells
Like Teen Spirit", "Come As You Are", "In Bloom",
"Lithium", "Breed", "Polly", "Drain You", "On
A Plain", "Territorial Pissings") e catapultou o trio ao superestrelato. O
Nirvana vocifera contra a apatia generalizada de sua geração e deixa para a posteridade
riffs, refrões e faixas inesquecíveis.
Sonic Youth In 1991 - The Year That Punk Broke (Geffen, 1991)
Neste homevídeo protagonizado pelo Sonic Youth, banda que o levou para a Geffen, o
Nirvana faz uma participação mais que especial tocando algumas músicas, entre elas o
hit dos hits "Smells Like Teen Spirit".
Incesticide (Geffen, 1992)
Lançado no período de entressafra pós-estrelato. Enquanto o trio curtia uma de popstar,
o disco saciava a sede dos fãs com gravações raras, versões ao vivo, covers e músicas
anteriormente lançadas apenas em compactos. A destruição continua em faixas
curtíssimas como "Dive", "Stain", "(New Wave) Polly",
"Sliver", "Been A Son", "Turnaround" (cover do quinteto new
wave Devo) e em duas regravações do grupo alternativo escocês Vaselines, "Molly's
Lips" e "Son Of A Gun".
In Utero (Geffen, 1993)
Divisor de águas da carreira, este disco antecipou a grande trajetória descendente do
trio. Gravado às turras entre os músicos e o produtor Steve Albini, o disco teve um
parto complicado, à fórceps. Com arranjos mais elaborados, não refletia a crueza punk
que marcou a ascensão do Nirvana - embora contasse com grandes composições como
"Serve The Servants" e "Heart-Shaped Box". O álbum também enfrentou
boicote (por causa de "Rape Me", canção claramente anti-estupro escrita com
muito sarcasmo) e a barra começou a pesar para Kurt, que, antecipadamente, se desculpa
pela fama nos versos de "All Apologies" (a faixa "I Hate Myself And I Want
To Die" acabou excluída da edição final para não incitar os fãs à morte). Shows
ficaram menos freqüentes por causa de confusões com a mulher Courtney Love e o
envolvimento pesado com drogas. Poucos meses depois, no período de vinte dias, haveria
uma tentativa de suicído, o anúncio do fim do grupo e a bala fatal na cabeça.
Unplugged In New York (Geffen, 1994)
É notório que o grupo sempre sofreu com as grandes pressões da indústria cultural e do
showbusiness. Mas se não conseguiu escapar da febre de especiais acústicos provocada
pela MTV nesta década, pelo menos aprontou das suas no repertório. O trio deixou de lado
muitos hits óbvios e optou por tocar muitas faixas secundárias de seus álbuns (como
"Dumb", "Pennyroyal Tea", "Something In The Way") e covers
de ídolos/amigos como Meat Puppets (que ainda dão uma palhinha no show), Vaselines e
David Bowie. Pat Smear, que formaria depois o Foo Fighters com Grohl, iniciou aqui sua
série de participações como convidado especial.
Nirvana Live! Tonight! Sold Out! (Geffen, 1994)
Lançado pouco tempo depois do suicído de Cobain, o primeiro e até agora único
homevídeo do Nirvana documenta toda a trajetória de sucesso pós-Nevermind. Compila
shows, entrevistas e cenas de bastidores gravadas entre 1991 e 1993.
Singles Box Set (Geffen, 1995)
Caixa com todos os seis singles lançados pela Geffen ("Smells Like Teen
Spirit", "Come As You Are", "In Bloom", "Lithium",
"Heart-Shaped Box", "All Apologies") com b-sides inéditos no mercado
brasileiro. Vale ainda por trazer todas as letras do álbum Nevermind e ainda a
faixa-fantasma "Endless Nameless", inexplicavelmente limada da edição nacional
do mesmo disco.
From The Muddy Banks Of Wishkah (Geffen, 1996)
Kurt Cobain se esganiçando desesperadamente, altas distorções e uma bateria
desenfreada. O minuto de abertura deste disco capta fielmente o ritual de destruição que
eram os shows do Nirvana. Kurt Cobain parecia sempre estar tomado por uma entidade e
dominava o palco com berros, urros, murmurros, guitarras desafinadas (e muitas vezes
aceleradas, puxando baixo e bateria rumo à velocidade total). Ao final de tudo, um grande
quebra-quebra de instrumentos. Kits de bateria e muitas guitarras eram sacrificadas em
meio à grande celebração do barulho e da microfonia. Quem teve o privilégio de
assistir in loco a uma apresentação sabe que era impossível não ficar arrepiado e
paralisado. Até quase duas horas qualquer reação era impossível. Até hoje ninguém
consegue explicar direito o que o Nirvana significava em cima dos palcos.
Hype! (Sub Pop, 1996)
O filme que conta a ascensão e queda do rock de Seattle não poderia deixar de
ter uma participação do maior grupo da cidade. O Nirvana aparece tocando (na fita e na
trilha) "Negative Creep" e todo o frenesi causado pelo grupo é retratado da
forma mais direta possível. A cena mais chocante é uma câmera subjetiva passeando pela
escada rolante de um grande magazine enquanto "Smells Like Teen Spirit" rola de
fundo em uma versão instrumental que parece feita sob encomenda para elevadores e salas
de espera de consultórios.
- O Nirvana fez participações em coletâneas e participações em tributos (Velvet
Underground, Kiss). Algumas destas faixas próprias nunca foram incluídas em seus
álbuns, como "Spank Thru" (Sub Pop 200, Sub Pop, 1988) e "Pay To
Play" (DGC Rarities, Geffen, 1994). No Brasil foram lançadas "Verse Chorus
Verse" (No Alternative, Arista/BMG, 1993) e "I Hate Myself And I Want To
Die" (The Beavis And Butt-Head Experience, Geffen/Universal, 1994)
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