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01.02.1999

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GENESIS
Por Alexandre Matias

Rock progressivo, bicho incompreendido. Nascido da psicodelia inglesa, este monstro foi alimentado pela fome de quantidade que regia os anos 70. Suas intenções distanciavam-se do rock desde o início - a idéia aqui era dar um passo além do rock, aproximá-lo da arte. Talvez este tenha sido o grande erro do progressivo, este flerte, que mais tarde tornaria-se casamento, com a Arte Séria. Não que fosse um erro indesculpável. O problema é que este simples gesto fez com que várias bandas se aproximassem do gênero com a única intenção de exibir sua técnica apurada e que músicos treinados em conservatórios vissem uma chance de se tornar um popstar tocando muito mais (mas muito mais mesmo) que três míseros acordes.

Mas o progressivo, em sua concepção, não é um verme parasita nem um aberração erudita. Era uma tentativa adolescente - daí o termo rock vir pregado ao gênero - de se divertir como seus ancestrais. Como se a música e a literatura clássica européia fossem o equivalente à música pop de escritores e compositores de séculos anteriores, vários garotos ingleses se juntaram pra voltar à era vitoriana da literatura ou ao romantismo da música em plena era hippie. E com cabelos compridos, instrumentos elétricos e um século 20 quase inteiro de inspiração, esses garotos começaram a parir um novo erudito.

No centro do gênero, o Genesis. Epítome progressivo por excelência, o quinteto britânico o representa melhor que qualquer outro grupo. O Pink Floyd, o mais popular dos progs, não pode ser um exemplo de progressivo, pois suas letras falavam de sentimentos humanos, descrevendo paisagens que existem - além de saírem do blues e depois da psicodelia rumo à viagens sonoras mais ousadas.

Já o Genesis, cuja primeira fase de sua carreira é devassada na caixa de raridades Archives 1967-1975 (Virgin), não. Essencialmente inglês, o grupo não tinha influência de blues ou de rock. Apesar dos dois grupos que o originaram (Amon e The Garden Wall) serem de rock, o novo conjunto dispensava as influências evidentes do blues na música pop da época. Preferiam se entregar à música folk inglesa e ao erudito, casando os dois com peso, eletricidade e um senso pop pra lá de aguçado, cortesia do vocalista e letrista da banda, o ex-estudante de arte Peter Gabriel.

Gabriel era a principal engrenagem da máquina que era o grupo. Era ele quem criava as histórias por trás dos discos da banda, quem escrevia as letras e tinha as sacadas para refrões fáceis dentro de músicas longas e complexas. Mas o grande segredo por trás do vocalista do grupo era sua intensidade dramática uma vez no palco. Mais que ator, Peter era dono de um carisma quase religioso, domando platéias com gestos, sussurros e olhares.

O grupo surgiu em 1965, na escola de Charterhouse, em Surrey, subúrbio de Londres, decidido a fazer música séria. Desde o começo nunca abriu mão de seus ideais, tocando apenas músicas próprias, mesmo que completamente diferentes das canções compostas à época. Dois anos depois, o guitarrista Anthony Phillips, o baixista Mike Rutherford, o tecladista Tony Banks, o baterista Chris Stewart e Peter Gabriel foram contratados por Johnnattan King, diretor da gravadora Decca, onde gravariam o primeiro disco, From Genesis To Revelation (com um novo baterista, John Silver), em 1969.

From Genesis... é o primeiro disco de progressivo clássico, mas não foi por isso que ele não foi bem nas paradas. É que seu título faz referência à Bíblia (pode ser traduzido como Do Gênese ao Apocalipse) e muitas lojas de discos o colocaram na prateleira de discos religiosos. Com um novo baterista e guitarrista (Phil Collins e Steve Hackett), o grupo assinou com a inglesa Charisma.

E junto com os anos 70 o Genesis começava sua melhor fase. Clássico atrás de clássico, o grupo lançou, em seqüência, Trespass (com a lendária The Knife), Nursery Crime (com sua opereta The Musical Box), Foxtrot (o primeiro grande sucesso de público, com Suppers Ready e Watchers of the Skies), Genesis Live e Selling England By The Pound. Discos suntuosos como palácios, mas cheios de refrões ganchudos como boas músicas pop. Esta mistura estranha deu ao Genesis um ar nobre, podendo se orgulhar de ser um dos poucos grupos progressivos cuja técnica instrumental e narrativa se completavam, atraindo fãs como se fosse uma banda de rock normal.

Mas não era. E não bastassem os discos que já haviam produzidos até então, eis que eles surgem com sua obra definitiva. The Lamb Lies Down On Broadway, de 74, é o único disco do Genesis que quem não é fã do grupo precisa ter. Não apenas resume todo o legado do grupo, como discorre talvez a obra mais complexa e grandiosa feita dentro do universo rock. Os dois primeiros discos de Archives são dedicados ao maior momento da banda, a primeira performance ao vivo de sua obra-prima.

São quase duas horas de um show impecável e preciso, além do mais ousado até então. Porque os shows do Genesis eram mais que uma simples apresentação ao vivo. Eram espetáculos cênicos, com cenários e máscaras feitos apenas para valorizar a atuação de Peter Gabriel no palco. E o show de lançamento de Lamb... era além de tudo que o grupo poderia ter imaginado no começo de sua carreira.

O disco conta a história da morte (embora nunca diga isso propriamente) de Rael, um punk grafiteiro das ruas de Nova York, sua descida ao inferno e sua redenção final. Uma viagem surreal, em que Gabriel misturava elementos da cultura pop da época, diversos imaginários de pintores góticos e surrealistas e sua própria mitologia, vitoriana e barroca. Para auxiliar esta história, diversas fantasias eram usadas por Gabriel, algumas realmente assustadoras, além do ápice do disco - em que Rael encontra seu irmão, John, com seu próprio rosto -, fazendo o vocalista encontrar-se consigo mesmo, num efeito inimaginável pelos fãs daquela era pré-George Lucas.

Os dois primeiros discos de Archives captam isso: uma banda tocando e encenando ao vivo sua obra-prima. Muitos podem argumentar que o disco é melhor que o show, mas ao lembrar que o concerto era uma peça única tocada sem o disco ter sequer ter sido lançado e sem pausas, transforma este evento na experiência definitiva do Genesis.

Durante a turnê de Lamb..., Peter confessou ao empresário que iria deixar o grupo. Com seus dotes messiânicos, o público passou a associar sua imagem com a do Genesis, como se ele fosse um criador e os outros sua banda de apoio. Quando oficializou sua saída, disse que não estava saindo para "fazer um Bowie" ou "fazer um Ferry" e passou o microfone para o baterista Phil Collins. Mas Genesis sem Peter Gabriel é como o Black Sabbath sem o Ozzy: qualquer outra coisa, mas sempre pior que o grupo original.

Isso faz da caixa um registro não oficial da época de ouro do grupo. Além da íntegra do concerto de San Francisco, Archives ainda traz dois CDs de raridades. Um deles conta apenas com versões ao vivo de canções conhecidas, como "Watcher Of The Skies", "Suppers Ready", "I Know What I Lie" e "Firth Of The Fifth". Este disco não acrescenta muito à carreira do grupo, mas funciona como uma bela compilação do melhor produzido pelo conjunto, pronto para iniciantes começarem suas viagens ao imaginário surreal de Gabriel e às entrelaçadas e complexas incursões sonoras, pra fã de Massive Attack e Radiohead nenhum botar defeito.

O quarto disco, no entanto, é a jóia que os fãs queriam. Feito para os verdadeiramente iniciados no grupo, o último CD da caixa é o equivalente genesiano ao Anthology dos Beatles. Rascunhos, demos, versões alternativas de vários clássicos aparecem um atrás do outro. Ouve-se "Shepherd", "Pacidy" e "Let Us Now Make Love" em versões da BBC. Mixagens cruas de várias gravações pré-From Genesis... e algumas demos do início da carreira. Ou seja, uma caixa que, além de captar o artista no auge, brinda o ouvinte com seus melhores momentos ao vivo e um disco de raridades obscuras. E o detalhe é que nada desta coleção havia visto a luz do dia. Até hoje.

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© 1999

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