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CANALHA! It's All True Abro a RayGun de janeiro e, depois da matéria de capa sobre o Beck, encontro uma foto enorme dos Mutantes olhando para mim. À esquerda, Caetano Veloso nos anos 70, exibindo toda sua feiúra de gárgula, do lado de um Tom Zé modelo 98, com cabelos aparados e barba curta. Do outro lado da página, Gilberto Gil, que a cada dia que se passa lembra mais aqueles negros pacatos americanos, como Bill Bojangles (que acompanhava Shirley Temple) ou Bill Cosby. Atravessando a página dupla, um título explode em grandes letras - "Viva Tropicalia". Segue um curto parágrafo que apresenta o movimento aos súditos do Tio Sam como "a mais recente obsessão de Beck" e "o segredo mais bem guardado do Brasil". Parece que o Tropicalismo finalmente conseguiu alcançar os Estados Unidos, depois de mais de trinta anos. Mas não parece o auge do novo modismo... Afinal, a Rolling Stone em sua edição de fim de ano (nunca leio essa revista, mas um amigo me mostrou) acusava João Gilberto como uma das new trends pro 99 norte-americano. A imprensa brasileira noticia diariamente o sucesso de Tom Zé no exterior com seu disco pela gravadora de David Byrne, Luaka Bop. A mesma que irá lançar a primeira coletânea internacional dos Mutantes, além de seu disco menos ouvido: o maldito Technicolor, gravado no Midem, em Paris... É a consagração de um movimento que começou de forma errática e improvável no país, mesclando música pop e vanguarda, levando a então recente MPB rumo a um novo caminho. Uma revolução cultural e estética, que nos apresentou novas possibilidades sonoras, além de renovar todo o cenário da música popular nacional, que variava do quadrado ao insuportável. Naquela mágica época, estávamos antenados com as novidades do mundo, parecíamos longe do país que habitávamos há então apenas dois anos. Está na hora, então, de acabar com essa palhaçada. Por muito tempo ouvi muita gente dizer que, sem o Tropicalismo, a MPB seria outra - seria, sim, e bem provável que fosse melhor. Porque a Tropicália, ao contrário do que se pinta, não modernizou o país, e sim o prendeu num sistema musical tacanho semimedieval, justamente quando começávamos a produzir uma música popular de qualidade... Pra começo de conversa, é preciso desmistificar essa idéia de que os baianos desceram pro Rio e pra São Paulo como retirantes, pra tentar a sorte na cidade grande. Um paralelo mais adequado seria a invasão britânica que aconteceu nos Estados Unidos no meio dos anos 60. Como os Beatles Stones, Animals e cia., os baianos já haviam tomado conta de sua terra de origem. E, gananciosos como eram, queriam mais. Existe uma crença popular que reza que, apesar do Tropicalismo sempre se vender como um movimento despolitizado (ou melhor, suprapolitizado), ele tendia mais para a esquerda que para a direita. Bobagem. Esse mito surgiu por conta da prisão de Gil e Caetano que, ao voltarem de Londres, foram recebidos com a mesma festa dada os prisioneiros e foragidos políticos que retornaram após a Anistia de 79. Mas se o movimento for analisado por dentro, dá para perceber os vínculos que ele tinha com a direita. Sim, mais precisamente com os militares. Como nos Estados Unidos, os militares brasileiros eram (e são) divididos entre os retrógrados moralistas - normalmente os tipos que batem em mulher e usam lingerie - e os estrategistas sem escrúpulos. A diferença de um bicho pro outro é que o segundo se corrompe para se manter no poder. Nos EUA, este foi o grupo que inventou a LSD e mandou-o para os campos hippies como uma forma de neutralizar o ativismo político com alucinações. No Brasil, estes militares "criaram" o tropicalismo. Caetano diz que seu movimento descende da Bossa Nova. Nada mais correto, afinal a bossa nova foi a primeira corrente popular cujos músicos vieram de uma classe abastada. Uma música elitista e, mais importante, alienante, que diluía todo o contexto social do samba em acordes dissonantes, mais barquinhos e patinhos. Desta Bossa Nova surgiram os primeiros ensaios da música popular moderna - de verdade - no Brasil. Além da canção de protesto (cujo principal bardo, Sérgio Ricardo, seria tratado como Bob Dylan se esse fosse um país sério), Sérgio Mendes e Marcos Valle levavam o hermetismo da bossa nova para um âmbito global, atualizando suas qualidades com arranjos do nível de mestres como Burt Bacharach, Phil Spector e Herbie Hancock. Os dois grupos foram eliminados da história pelo Tropicalismo. Através dos olhos tropicalistas, a canção de protesto havia se tornado uma ladainha folk repetitiva, personificada na figura alegórica e desacreditável de Geraldo Vandré. Sérgio Mendes e Marcos Valle eram "americanos demais", como se injetar guitarras na música brasileira fosse mais nacionalista que tocá-la com um Moog... Assim, o Tropicalismo surgiu como uma continuação da música de elite que era a Bossa Nova. Mas ao contrário da Bossa, o não aconteceu - foi acontecido. Ele foi bolado por pilantras que ocupavam cargos ascendentes em jornais, rádios e programas de TV como a novidade do momento, um cometa de "modernidade" que levaria muitos destes pulhas à consagração através do "movimento". Todos os baianos vinham de cima, com muita cultura. Caetano era crítico de cinema em Salvador e sabia o que era necessário para transformar algo em produto. Gil era administrador de empresas e, até hoje, trata sua carreira como uma firma que abriu em 67. Gal vinha de família rica e cantava em saraus da hi-society soteropolitana. Até Tom Zé, cultuado gênio instintivo, estudava música moderna como terceiro grau, tendo aula com professores franceses na capital baiana. Os Mutantes também eram um grupo de filhinhos de papai que tinham acesso a todo o tipo de informação vinda de fora. Se tivessem nascido hoje, seriam promoters de festas ou tocariam techno. Mas como a novidade era o rock, assim eles o faziam. Só que desprezavam vilmente a jovem guarda, gênero que abraçaram quando viram a possibilidade de sair da garagem para a TV. Nara Leão era filha de embaixador e parente de várias figuras no governo federal. Não convinha a ela denunciar a pobreza e a miséria para que se derrubasse o poder. Então, cantava sambões com duplo sentido, cuja mensagem política só poderia ser entendida pela classe média, que aplaudia sorrindo e aceitava o sistema. A classe operária, de onde qualquer movimento poderia realmente sair, ouvia aquilo como uma moça cantando Zé Kéti, como o povão hoje consome Marisa Monte. Duprat e Medaglia, como os irmãos de Campos, que logo se aproximaram de Caetano quando entenderam suas intenções, estavam dentro do contexto acadêmico e queriam fama, glória e sucesso - além do reconhecimento do meio. Assim, trataram o Tropicalismo como música erudita, repudiando o resultado final, mas sabendo que aquilo os faria bem no futuro. Caetano, em específico, mantinha uma relação dúbia com o poder. Freqüentava festas da direita como um hippie transado, mas sabia muito bem o que os direitosos queriam ouvir. Assim, abriu seu espaço dentro dos Poderes Que Mandam No País e conseguiu que sua vaga como principal figura dentro do movimento fosse garantida pelas gravadoras. Quando foram presos (pelo outro grupo de militares, os retrógrados moralistas que acharam um acinte a brincadeira com o Hino Nacional), Caetano e Gil passaram pelos porões da ditadura sem um arranhão. Conseguiram um acordo para ir para Londres após delatarem todos os comunistas e figuras de esquerda que conheciam no país. Não se importavam, pois sabiam que a esquerda nunca iria para o poder - para se vingar. Limpavam suas consciências pensando que, se não fossem eles, outros seriam os cagüetes mais à frente. Politicamente, a mensagem Tropicalista é alienante. Resgata valores que não têm o mínimo compromisso social, como o iê-iê-iê, o rock psicodélico americano, a música de vanguarda, a poesia surrealista, o folclore baiano e "Coração Materno". Coisas que, para o público, não significavam nada além de diversão vazia. Era algo apenas para a classe média, que lia os jornais escritos pelos mesmos que davam nota dez aos baianos nos festivais e zero para todos os outros não-baianos (numa forma corrupta, pilantra, vil e baixa de se assumir o poder). A entrevista do jornalista Cláudio Júlio Tognolli, em uma edição do ano passado da revista Caros Amigos, revelava outros detalhes da chamada "Máfia do Dendê", que, após a volta de Caetano e Gil do exílio, ocupava cargos-chave na indústria fonográfica brasileira. Outra reportagem, em uma edição de 93 do jornal O Estado de São Paulo (comemorando os 25 anos do movimento), revelava com exclusividade o especial Tropicalista feito para a televisão que mataria o gênero. O especial só não foi ao ar por causa da prisão de Gil e Caetano. A emissora? Rede Globo. Por diversas vezes, Caetano elogiou Antônio Carlos Magalhães (certa vez o cantor o chamou de "fofinho"), contaminando, como todo o establishment musical da Bahia, com o vírus do puxa-saquismo carlista. Não é de se assustar que ele vote e defenda o governo Fernando Henrique Cardoso - os dois são seres semelhantes, que "traíram" seus princípios por vaidade e sede de poder. ("Traíram", entre aspas, porque nunca tiveram princípios). Recentemente, com a fusão da gravadora PolyGram com a Universal, Caetano, que é da PolyGram desde o início da carreira, declarou, em festa na casa do presidente do novo conglomerado no Brasil que "sempre fora universal" (saiu na Folha, pouco antes do Natal passado...). Até Collor possui mais princípios que este artista multimídia, cuja única preocupação atual com a carreira se resume a dar entrevistas e perpetrar o engodo que foi o Tropicalismo. Tudo isso, entretanto, é invenção minha. Nada disso é verdade. Criei tudo. Não quero um processo nas costas... Leonardo De Biase é carioca. Os textos só
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