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BRUCE SPRINGSTEEN Para compreender a suma importância da música de Bruce Springsteen é preciso mergulhar na história do rock'n'roll, direcionando a máquina do tempo mais precisamente nos primeiros anos da década de 70. Os sonhos dos Beatles e da psicodélica utopia hippie do "paz e amor" haviam acabado e os artistas da época nem estavam aí para catar alguma resposta ou direção vagando pelo ar. Uns corriam atrás da própria grandiloqüência, preocupando-se apenas em posar de falso Mozart ou ser reverenciado por milhares de pessoas em grandes arenas e estádios. Outros, mais cínicos, esnobes e exibicionistas, simplesmente optaram por trocar o fogo, a fúria e a rebeldia (itens básicos para quem realmente parte para o rock) pelo jet-set de milionários, colunas sociais e private parties, passando a cuidar mais de suas gordas contas bancárias e aspirar tudo quanto era avião e limusine. O rock'n'roll, então, enfrentava seu primeiro grande período de depressão. Assim como nos dias atuais, não havia mais qualquer identificação entre a garotada e a música e vida dos grandes astros. Acabara a sintonia. O rock posicionava-se contra tudo aquilo a que se propusera no passado - juventude, esperança e, sobretudo, libertação. Parecia que não haveria mais futuro. Como em um passe de mágica, a vida mais uma vez surpreendeu a todos com mais uma reviravolta. Descrente com toda a situação, o crítico Jon Landau decidiu comemorar seu aniversário em Boston, vendo mais um show, mesmo que tendo a certeza de que apenas confirmaria sua tese de que o rock'n'roll havia batido as botas. Estava enganado. Landau não só se surpreendeu com a novidade à qual assistira, como também proclamou, na primavera de 1974, na sua coluna de despedida do jornal Real Paper: "Eu vi o futuro do rock e seu nome é Bruce Springsteen". (Não por acaso, Landau se transformaria depois no fiel empresário, escudeiro e produtor da sua grande revelação.) O caminho estava fácil. O então desconhecido grupo da demodê Nova Jersey, E-Street Band, viu todas as portas se abrirem para a conquista do mundo e a grande reviravolta do rock. Seu vocalista, Bruce Springsteen, só precisou de uma pequena turnê para liderar uma revolução. Virou queridinho da crítica, passou a gravar uma série de álbuns clássicos (entre eles Born To Run, Darkness On The Edge Of Town, The River e Nebraska, respectivamente de 75, 78, 80 e 82) e ensandecia o povaréu em cada performance. Seus shows, verdadeiras maratonas de quatro ou cinco horas de duração, eram tão intensos como se fossem o último da vida. Bruce devolvia ao rock a explosão, a espontaneidade, a alegria, a despretensão. De artista cult, Springsteen se transformou em superastro em pouco tempo. Os anos 80 só vieram a confirmar seu carisma com hits ("Born In The USA", "Dancing In The Dark", "Glory Days") e a bem-sucedida participação no projeto beneficente USA For Africa ("We Are The World"). Nesta década, apesar de ter optado por uma quantidade menor de discos, Bruce ainda arrebatou um Oscar pela canção "Streets Of Philadelphia", tema principal do drama Filadelfia, (estrelado por Tom Hanks, Denzel Wahinsgton e Antonio Banderas) e a mais contundente coleção de versos sobre a Aids. Tracks (Sony Music), caixa com quatro CDs editada agora no Brasil, dá uma boa geral na carreira de Springsteen, mesmo que estando longe de ser um best of - apenas dez das 66 músicas não são inéditas e algumas destas dez trazem versões alternativas do fonograma que acabou indo para o disco. Apesar de correr pela marginalidade (preferiu juntar um monte de músicas que, de uma maneira ou de outra, acabaram não entrando na seleção final de seus álbuns; nada sobrenatural para um artista hiperprodutivo, que compõe aos borbotões e sempre gostou de gravar sete ou oito músicas por dia), o box set traz belos momentos de Bruce. E ainda deixa explícitos todos os porquês de toda a adoração consagrada pelos seus conterrâneos. Springsteen virou o grane herói americano porque simplesmente fazia canções voltadas para o povo. Sempre longamente discursivas e escritas em primeira pessoa (embora o compositor admita que tenham sido poucas as experiências realmente pessoais transpostas para o formato musical), suas letras se posicionam no diâmetro oposto da ambição. O mundo retratado por ele é o das pessoas simples, de que só pensam na tríade mulher-cerveja-televisão, só desejam trabalhar para ser alguém no mundo, só sabem que são apenas um entre tantos e quase sempre se conformam com a situação de ter sido engolido pelo american dream. A identificação é imediata, já que os protagonistas de Bruce podem ser caipiras, caminhoneiros, operários, lavradores ou simplesmente assassinos, gente comum das mais diversas cidades e estados do território americano (Nebraska, Arkansas, Novo México, Pittsburgh, Flórida, Nova Jersey...). Percorrendo o encarte com maior atenção também ficam claras algumas temáticas recorrentes. O menestrel da working class também adora um severa crítica social (muitas delas estão entremeadas em todo o ufanismo da fase Born In The USA) e nunca perde a oportunidade de falar sobre religião. Apesar desta ser o leitmotiv de alguns outros artistas como Prince, Marvin Gaye ou Bob Marley, Bruce parece ser mesmo o único artista a emprestar sua garganta àqueles que foram criados dentro da fé - ou mesmo os que até desejam ter fé embora não tenham coragem de dar o passo decisivo. Para ouvir os quatro álbuns da mistura sonora de rockões, baladas, folks e countries de Bruce e sua E-Street Band, recomenda-se uma preparação. Não apenas espiritual (afinal, Springsteen chegou a ser comparado com Bob Dylan no início da carreira), como também social e literária. A grande voz do proletariado americano exige um certo ritual, assim como verdadeiros rituais foram o que ele sempre nos devolveu sob a forma de música. Os textos só
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