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01.02.1999

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WICKED, MATE
Por 90

A quem interessar possa:

Estou aqui, diretamente de Londres, Inglaterra, Reino Unido, tentando passar algo que possa interessar aos leitores...

Se isso realmente interessa, cheguei aqui em 97. Esperava algo um pouco diferente do que encontrei. A "cena indie" é muito mais divertida quando vista do exterior, acreditem. Lógico, shows acontecem o tempo todo em Londres. Mas dinheiro, que é bom...

Interessante descobrir que, ao contrário de encontrar um monte de gente que entendesse de música e estivesse carregada de idéias interessantes, o que encontrei no curso foi bem o contrário. Digamos que mais de 50% da minha turma de primeiro ano estivesse envolvida de al guma forma ou outra com dance music. Até aí tudo bem, estavam fazendo o curso pra sacar mais de estúdio, afinal dance é basicamente faça-você-mesmo. Isso não quer dizer que a maioria fizesse algo que preste, mas deixa pra lá.

O que me decepcionou mesmo foi o roque. Não encontrei os indies estereotipados que pululam por todos os cantos do meu Brasil, por incrível que pareça. Ou eles não estão interessados em aprender a trabalhar em estúdio ou foram para outro curso, afinal escola de engenharia de som aqui não falta, com a indústria fonográfica/musical sendo uma das que mais lucra no país.

O resto do pessoal que encontrei, com raríssimas exceções, eram pessoas com gosto nulo em música que não tinham idéia do que queriam fazer. O que só me fez me tocar mais ainda de que o mercado da música em geral é extremamente segmentado, superespecializado e, por que não dizer, fossilizado neste país. O que me faz relembrar: a "cena"(?) é mais divertida quando vista de fora.

Falar em perder cabaço, o meu se foi completamente nessa área, garanto. Depois de terminar o primeiro ano de curso fui descobrir que a criatura alta e magra e com gigantescos dreadlocks loiros, obcecada por Led Zeppelin e vestindo roupas que pareciam ter vindo direto de 1969, era o filho do Roger Waters. Como é que não fiz a conexão antes??? Afinal ele é tão feio quanto o pai.

E por falar em dinossauro, me parece que a Inglaterra vive de glórias do passado. Com o perdão da arrogância de quem vem do terceiro mundo, mas não sei para onde esse país vai. Um colega me diz que está louco para morar em um outro país, que a única coisa que ainda o prende à Inglaterra é a família. Pessoas demais para um lugar tão pequeno, diz ele. Falta de horizontes. Ele preferia estar nos EUA. Fico imaginando quantos pensam como ele. E como eu pensava de certa forma isso no Brasil. Estranho. Estranho pra caralho. Mas de qualquer forma...

Vamos falar de música, afinal é para isso que estamos aí... para espanto de todos os que falam comigo, não vou a tantos shows quanto gostaria. Parte é falta de tempo. Parte é falta de grana. Parte é preguiça mesmo.

1997 foi o ano em que finalmente vi Teenage Fanclub, e os caras não decepcionaram. Interessante ver Cornershop abrindo (bem antes do remix de "Brimful of Asha" ter estourado). Também rolou High Llamas de graça (que sinceramente não curto, pois Sean O'Hagan deveria pagar direitos autorais pra Brian Wilson). Em 1998 teve Servotron. Pra quem não conhece, banda formada por membros do Man... Or Astroman? e Supernova. Divertido, meio punk, meio Devo... os caras se vestem de robôs e agem como tal. Foda foi o show ter sido cortado pela metade graças a um moleque que subiu no palco e socou o guitarrista... Também vi Cramps, pra infortúnio do baterista da minha banda, que anda querendo ver os caras faz anos e neca. Mas o filé com fritas, o 'créme de la créme', o 'top dog', o 'huevo ranchero', na minha opinião, aconteceu em 1997 mesmo... Parece que foi ontem, cacete.

Estava eu na Denmark Street, reduto das lojas de instrumentos musicais e afins quando resolvo entrar na Helter Skelter, uma ótima livraria (e ocasionalmente editora) roque. E não é que vejo um cartaz dizendo: Dee Dee Ramone. Sessão de autógrafos e lançamento oficial da autobiografia Poison Heart: Surviving the Ramones. Show acústico uma hora após a sessão, ingressos à venda.

Putaquipariu. Era o que eu precisava. Pirei. Já tinha visto os Ramones nos EUA, dei sorte de tiete e até catei a primeira palheta que o Johnny jogou durante o show, mas isso era diferente. Dee Dee é lenda. Era o compositor principal. Mesmo depois de sair dos Ramones eles estariam fodidos se não fosse ele pra contribuir material para Mondo Bizarro e Adios Amigos. Comprei o ingresso na hora, sem hesitar.

Passou umas duas semanas, chegou a noite. Uma hora de fila tendo que aturar uns "punks" (ou seriam vagabundos com roupas exóticas?) que foram devidamente barrados na porta e chegou a hora de catar o autógrafo. Levei as capas de todos meus CDs dos Ramones, mas por questões de tempo só três seriam autografadas. Beleza. Ramones, Leave Home e Rocket to Russia, a santíssima trindade dos três acordes barulhentos foi escolhida.

Tentei puxar um papo com o cara, falei que era do Brasil e tal, e porra: não é que o Dee Dee até que é um cara legal? Eu esperava um cara nervoso, e encontrei um cara relaxado, obviamente detonado depois de vinte e tantos anos de abuso químico, mas aparentemente limpo já há algum tempo e disposto a falar. Tão disposto que os seguranças tiveram que cortar ele. Me falou dos planos, disse que não sabia se queria ficar nos EUA (foi foda arranjar o visto para a atual esposa, a argentina Bárbara, que toca baixo na formação atual da sua banda solo) e que queria um espaço grande pra ficar com ela e os cachorros. Dei uma fita dos Chick Magnets (Nota do Editor: a banda do 90, claro) pra ele, na esperança de que, na pior das hipóteses, ele plagiasse alguma coisa. E aí era hora de ir pro bar tomar as tradicionais duas cervejas pra relaxar antes do show e matutar sobre a experiência.

Do lado da Helter Skelter tem um bar que serve Löwenbrau tirada do barril. Aaaaah, glória. Vi uma mulher nos seus vinte e poucos anos, bonita, morena, numa mesa no canto, com uma cara de tédio e cansaço. Beleza. Chegou a hora do show, no minúsculo subsolo da livraria. O pessoal foi chegando e lotando o lugar, e em breve chegou o homem. Passando no meio da raça e devidamente ovacionado, Dee Dee subiu ao palco e a festa começou.

Lembra das rodinhas de violão quando você era moleque, garotão ou garotinha? Pois é, o show acústico de Mr. Douglas Colvin foi isso, com a diferença que o repertório foi muito melhor e rolou cerveja ao invés de vinho de garrafão. Um pouco nervoso no início, Dee Dee logo relaxou e emendou clássico após clássico ramonesco, devidamente acompanhado pela platéia que quase abafou o equipamento de palco. E isso só me fez lembrar mais uma vez o que fazia os Ramones tão bons: por mais simples que as músicas fossem, elas tinham substância. O senso de diversão ainda está ali. Dee Dee e companhia sempre foram muito mais espertos do que aparentavam. O material do último solo de Dee Dee não agradou muito, e justamente por isso ele não tocou muitas. Surpresas agradáveis foram "Sunday Morning", do Velvet Underground; e "Born To Lose", dos HeartBreakers ("todos os meus amigos tinham tatuagens com isso escrito, por isso eu tatuei ‘born to win’" - e apontou pro braço). Rolou até uma tentativa de tocar "Be My Baby", das Ronettes , mas não colou porque ele se não lembrava dos acordes.

E foi isso, crianças... O melhor show que vi até hoje. E pra coroar a noitada o cara ainda coloca a palheta do show na minha mão quando sai do palco recebendo tapinha no ombro de todo mundo. Cacete.

No outro dia estou folheando o livro. Acho a menina do bar em uma das páginas. Nome: Bárbara Ramone

90 estuda engenharia de som na Inglaterra e fica por lá até o meio do ano. Enquanto isso, manda notícias.

Os textos só poderão ser reproduzidos com a autorização dos autores
© 1999

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