Rússia não aceita intervenção na Iugoslávia

 

A sociedade russa reage vivamente ao conflito em Kosovo e à intenção da OTAN de utilizar força para a solução do problema iugoslavo. Os programas de televisão iniciam-se com as notícias do Castelo Rambouillet, onde os membros do Grupo de Contato promovem conversações com representantes sérvios e albaneses.Os artigos sobre Kosovo são publicados nas primeiras páginas dos jornais centrais de Moscou, efetuam-se inquéritos populares em várias cidades da Rússia. Conforme o que se diz pelo rádio, o que se mostra pela televisão, e o que escreve-se nos jornais e revistas, todas as camadas da sociedade russa estão contra a intervenção militar das tropas da OTAN na Iugoslávia.

Em 22.02.99, as notícias de um dos programas centrais da televisão da Rússia  -"Vesti"-  foi dito que numerosos oficiais do exército russo tinham anunciado o seu desejo de participar dos combates contra as tropas da OTAN se esta organização violar as fronteiras da Iugoslávia e os americanos combaterem contra "os nossos irmãos eslavos".

Já é conhecida a reação do presidente russo Boris Yeltsine, que disse no dia 18: "...isto não passará. Nós não permitiremos tocar em Kosovo".

A posição ainda mais decisiva foi tomada pela Duma (Câmara Baixa do Parlamento Russo), que adotou o decreto que recomendou romper o chamado Ato Fundamental e sair do regime das sanções contra a Iugoslávia, se a OTAN efetuar uma agressão. A posição mais firme foi tomada pela oposição, chefiada pelo líder dos comunistas Gennady Ziuganov. Conforme as exigências da oposição, "a Rússia deve fornecer apoio militar à Iugoslávia" (jornal "Sovietskaia Rossiya", 23.02.99). O mesmo jornal escreve que "por que não dar à Iugoslávia os mísseis russos C-300. Isto podia esfriar a ânsia dos americanos. Ao que parece, os EUA esqueceram que há 85 anos neste país fora incendiada a Primeira Guerra Mundial devido ao ultimato à Iugoslávia por parte da Austro-Hungria. Como este fato é parecido ao que se passa agora em Kosovo! As medidas tomadas pelo governo iugoslavo para defender a integridade do território são o direito de um estado soberano. Elas correspondem às normas do direito internacional e ao Estatuto da ONU. Elas são da mesma maneira legítimas como as medídas do governo britânico na questão de preservação da integridade da Grã-Bretanha e Irlânda do Norte, como as medidas do governo espanhol que não deixa que os bascos se separem da Espanhae tantas outras.

O jornal Rossiyskaya gazeta escreve em 23.02.99 que "aconteceu maravilhosamente que em vez de discutir a questão principal, que é o acordo entre as partes em conflito assegurarem autonomia, as conversações em Rambouillet passaram ao problema de intervenção das tropas da OTAN nesta região. Surge uma questão: não procurava a parte americana o pretexto para aplicar um sôco contra Belgrado independentemente dos resultados das conversações? Ora, trata-se não da introdução das tropas da ONU, mas sim das da OTAN no território iugoslavo."

Entretanto, o Primeiro Ministro russo Eugueny Primakov anunciou em 22.02.99 que "somos contra a aplicação de força contra a Iugoslávia em caso qualquer. Porém se os iugoslavos puserem eles mesmos a questão da presença militar com o fim de regular o problema, vamos observar isto positivamente."

Segundo o jornal Segodnia, de 22.02.99, "o Ministro de Relações Estrangeiros da Rússia, Igor Ivanov, no decorrer da sua visita a Tóquio anunciou que Rússia pode tomar parte na operação internacional em Kosovo se Belgrado pedir a Moscou isto."

O jornal Vremia escreve que o assistente do MRE da Rússia, Alexandre Avdeev, anunciou que "só a Iugoslávia mesma, sendo um país soberano, tem o direito de decidir se vale a pena convidar soldados estrangeiros para o seu território."

Segundo o jornal Nezavissimaya de 22.02.99, o MRE da Rússia, Igor Ivano,v anunciou que "quanto ao possível golpe da OTAN na Iugoslávia, pronunciamo-nos contra isso. Se isto acontecer, o fato riscaria os resultados do trabalho já feito em Rambouillet e tornaria a situação nesta região ainda mais complicada."

Todavia, as relações entre Moscou e Belgrado não podiam ser chamadas de simples. Como sempre tem lugar certo jogo político explicado pelos acontecimentos diplomáticos precedentes ao conflito. O jornal Izvestiya põe a questão: "Por que em plena marcha das converçações em França o MRE Igor Ivanov partiu para Japão e deixou o seu substituto em vez de si? Isto apresenta, por um lado, o protesto da Rússia contra Washington que impõe a sua opinião sobre os seus aliados. Mas por outro lado, este fato diz respeito à impossibilidade da Rússia de encontrar os meios de influência sobre Belgrado. No recente passado o presidente da Iugoslávia Milosevic preferia olhar para o lado americano ou ocidental do que para a Rússia na solução dos seus problemas. Ele não é muito popular na mesma Iugoslávia e a Rússia não queria ser advogado permanente do presidente ingrato iugoslavo, desacreditando-se perante todo o mundo. Ora, no passado Milosevic jogava a carta russa assustando o ocidente com o seu aliado oriental."

O resultado de um ataque pode ter certas consequências na própria Rússia, pois em caso de guerra as forças da esquerda vão consolidar-se ainda mais tendo como apoio o povo russo que se tornaria indignado com a passividade do governo. Para a Rússia, a guerra na Iugoslávia pode significar um enfraquecimento do regime existente.

 

Felix Ustinov, tradutor russo de português
e colaborador de O Foca

 

 
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