Entrevista
Sérgio Mattos
"Sensura é mito"
Sérgio Mattos nasceu em 1948, em
Fortaleza, Ceará. Se radicou na Bahia em 1959 e, literário, lançou em 1968, junto com
Ivan Soares, a famosa revista Experimental, quando tinha apenas os seus 20 anos
de idade. Estudante da Faculdade de Comunicação da Universidade Federal da Bahia,
começou a atuar como jornalista também em 1968, participando do grupo que formou o
revolucionário jornal Tribuna da Bahia, de Quintino de Carvalho. Foi de repórter a
editor, cargo que ocupa hoje no jornal A Tarde, com muito talento e dedicação. Se formou pela Facom e fez mestrado e doutorado na Universidade do Texas, em Austin, EUA. Publicou alguns livros técnicos nos EUA, como "The Development of Communication Policies Under the Peruvian Military Goverment" e "The Impact of the 1964 Revolution on Brazilian Television", respectivamente em 1981 e 1982.Também publicou vários artigos especializados no Brasil e no exterior. Seu primeiro livro individual de poesias foi "Nas Teias do Mundo", publicado em 1973. Em 1977, lançou o seu "O Vígia do Tempo", traduzido para o inglês, seu segundo livro individual de poesias. E por gostar tanto de literatura que Sérgio Mattos, quando presidente do Instituro Baiano do Livro (IBI), tentou possibitar a instalação da primeira editora de peso na Bahia, mas não conseguiu. Mattos dedicou boa parte de suas pesquisas à televisão brasileira. A sua tese de doutorado, entitulada "Domestic and Foreign Advertising in Television and Mass Media Growth: A Case Study of Brazil", editado pela Microfilm University, é um exemplo. Em 1990, teve editado pelo jornal A Tarde e Assossiação Brasileira de Agências de Propaganda/Capítulo Bahia, o livro "Um Perfil da TV Brasileira: 40 Anos de História (1950-1990)". Hoje, o jornalista, professor aposentado da Facom, poeta, escritor, pesquisador e músico Sérgio Mattos se lança num novo desafio: estabelecer no mercado o seu mais novo produto, a revista de arte, cultura e entretenimento Neon. A Neon, e vocês irão ler que não foi fácil nem barato encontrar este nome, está nas bancas desde janeiro deste ano. É uma revista bonita, bem escrita, que conta com colaboradores de renome, e, se estabelecido, será mais um espaço aberto para profissionais do jornalismo. E foi para falar da revista, e de outras coisas mais, que Sérgio Mattos nos concedeu uma breve entrevista nas instalações do jornal A Tarde. Leiam e aproveitem: |
O Foca: A Bahia precisava de uma
revista como Neon? |
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anunciantes e,
consequentemente, perderem dinheiro. O senhor não acha que hoje existe uma outra sensura,
mais mascarada? S.M: É. Eu tenho um livro que se chama "Controle dos Meios de Comunicação", editado inclusive pela UFBA, em que eu trato justamente sobre isso. A sensura policial você conhece porque ela é exercida pela força, enquanto que a outra sensura é muito mais sutil; é uma sensura econômica, uma sensura política. A sensura econômica é a pior que existe,já que você não pode falar alguma coisa que afete o seu anunciante porque você tem que garantir a sobrevivência da sua empresa. Por isso a gente tem que buscar aumentar os nossos anunciantes para ficar mais independetes. O Foca: E o senhor não acha que às vezes a imprensa sensura a própria imprensa. Por exemplo, recentemente o jornalista da Folha de São Paulo, Juca Kfouri, revelou o polêmico contrato entre a CBF e a Nike. Ele não ganhou primeira página e também a sua notícia não mereceu sequer a mínima atenção por parte do restante da imprensa... S.M: Sim, mas você observe o seguinte: no processo de sensura, ou melhor, não chamaria de sensura mas sim de escolha do que se vai publicar, você começa a fazer a seleção das notícias na escolha dos assuntos que você vai trabalhar. Então, se eu chego no jornal pela manhã e tenho mil assuntos, mas eu só posso escolher 200, eu já deixei 800 de lado, que não vão ser publicados. Portanto, já houve ai um filtro muito grande. Qual foi o critério usado para a seleção dos assuntos a serem trabalhados? O Foca: Sim, mas não se tratava de um assunto importante? S.M: Mas era importante por que? Qualquer notícia publicada num jornal é importante, não importa o tamanho da notícia. Eu posso botar três linhas no jornal dizendo que os funcionários de uma empresa pequena vão receber 100% de aumento e para eles aquela é a notícia mais importante do jornal, aquelas três linhas, porque diz respeito à vida deles. Você pode ter uma manchete jornalisticamente correta e não ser importante para 90% da população. Então os critérios que são utilizados hoje na imprensa, pelos jornalistas, talvez precisem ser reformulados. O que está se questionando hoje não é mais a sensura, a influênca, mas sim os critérios da utilização dos espaços na mídia, o filtro que é exercido. Então não adianta você defender uma série de coisas se onde está o filto você não reformula. O que se precisa reformular são os critérios de edição. Um editor hoje tem uma responsabilidade muito grande: ele é responsável pelo que faz, é responsável pela seleção, ele é responsável por tudo. O que for publicado hoje é o que o editor escolheu, é escolha pessoal do editor. Você concentra na mão de uma pessoa muito poder. Por mais ético que o cara seja, por mais profissional que ele seja, ele vai se defender sempre e vai dizer "não, eu estou selecionando de acordo com os critérios jornalísticos". Então quais são os critérios jornalísticos? É a proximidade da notícia, a abrangência da notícia, o número de pessoas que ela atinge, porque você ai vai vender mais jornais. O critério é a desculpa de muitos jornalistas. Mas será que este critério jornalístico é correto? Será que estamos selecionando exatamente como deveríamos. Se eu tiver uma notícia ruim e uma notícia boa e só tiver um espaço, vai a notícia ruim. Por que não vai a notícia boa? Notícia boa vende jornal também. Ah, você dizer que descobriram um avanço para a cura da AIDS é tão importante quanto você dizer que numa batida morreram dez!? Mas esse critério mais imediatista, a noção do que seja notícia num jornal e a que dá mais repercução é que precisa ser reformulada. Então hoje nós estamos vivendo, e eu disse isso há vinte anos passados numa entrevista que dei, a crise da identidade jornalista permanente. A sensura é mito! É um mito, porque a única sensura que falamos é a policial. E a outra sensura: você deixa de dar uma notícia sobre uma pessoa porque esta pessoa é seu amigo, porque é seu parente, e o leitor não tem nada com isso. Então, essa reformulação é uma necessidade do próprio momento em que estamos vivendo. O terceiro milênio vem ai, vai haver reformulações terríveis na vida do homem, e não no sentido negativo, mas sim no positivo, porque a tecnologia está avançando e vai nos permitir uma maior quantidade de tempo para você se dedicar ao lazer, para você se informar cada vez mais, e a partir do terceiro milênio você tem que praticar um jornalismo diferente. E eu não acredito acredito, e posso até aqui dar um chute, que o jornalismo vá virar jornalismo on-line, como tem muita gente pensando, porque o jornalismo on-line é muito demorado. Para você ler aquilo tudo no computador, até o processo de seleção da notícia no computador, se você não disponhe do menu para saber o que quer é muito mais complicado do que você procurar no jornal. No próximo milênio, eu acredito que o jornalismo vai ser muito mais um jornalismo revista, porque a maioria dos nosos problemas hoje vão começar a ser resolvidos, e a gente vai ter que se adaptar às próximas necessidades. Daí que você está vendo surgir hoje: a imprensa especializada. Tem gente que lê jornais e revistas, mas não qualquer um, ele só lê o que interessa a ele. Se o cara gosta de surf, ele compra a revista de surf dele. Cada um vai se especializando, buscando o seu próprio segmento, então a imprensa vai ter que buscar, que fazer as coisas de acordo com o que aquele segmento quer. Você não vai mais falar assim: a grande massa. Você vai falar de pequenos grupos e direcionar o seu trabalho para eles, e ai você ocupa um espaço, pois você vai ter anunciante porque existem os consumidores, e então você vai ter uma grande multiciplidade muito maior de ofertas, e você vai poder escolher à sua vontade. Então vai haver uma mudança na imprensa; eu não sou profeta não, mas a gente pode projetar a partir de algumas observações. Você vai ter no Brasil, por exemplo, alguns poucos jornais nacionais e o restante voltado para a sua cidade. Por que perder tanto espaço para dar notícias que não interessam ? Se ele quiser, vai comprar o jornal local e também o nacional, como acontece na Europa e nos EUA. Nos EUA você têm quatro ou cinco jornais nacionais e o resto é tudo local. E isso é uma tendência. O Foca: E fica até mais fácil de vigiar... S.M: De vigiar? O Foca: Sim, de observar os erros e os excessos. S.M: Não, mas não é um problema de vigia. A palavra "vigiar" ai me assusta, porque fica parecendo que fica mais fácil de controlar. O mais fácil de você fazer um jornal completamente local é você fornecer à população na qual você está inserida, é oferecer a maior quantidade de informações sobre esta cidade. Porque hoje você deixa de publicar milhares de coisas porque você está publicando notícias internacionais, você está publicando notícias nacionais que não às vezes não interessam à população local. Quer dizer, isso é uma coisa muito nova, eu não posso dizer que esse é um modelo, mas existe uma tendência de você ser cada vez mais local regional. É o processo de regionalização que vai atingir, gostem ou não, a imprensa escrita também, como está atingindo hoje as redes de televisão que já estão se regionalizando. Só que elas estão começando o processo de regionalismo de uma maneira inversa: ao invés de começar pelo conteúdo eas estão começando pelo faturamento. Então toda rede de televisão hoje, na Rede Globo por exemplo, essas emissoras regionalmente são independentes no faturamento. Elas faturam mais localmente. Então elas poderiam também reverter esse quadro e começar a ter maior quantidade de produção local, e menos nacional. Mas por questões econômicas, ainda a coisa permanece. Porém a tendência é a se aumentar a regionalização em todos os sentidos: o comercial, a produção, a notícia. Quanto tempo isso vai levar para acontecer eu não sei. O Foca: E como está o jornalismo municipal hoje, o senhor que é editor de um caderno de municípios? S.M: Já têm 14 anos que a gente faz isso. Nós fomos pioneiros no Brasil nisso,foi a primeira experiência regional, municipal, foi esta nossa, depois os outros jornais fizeram. E essa é uma tendência. O Foca: Sim, mas como está hoje os pequenos jornais municipais que existem no interior? S.M: As dificuldades destes pequenos jornais é de sobrevivência de anúncios. Se você está numa comunidade muito pequena que o comércio é pobre ele não tem muito futuro, a não ser que tenha alguém bancando. Quer dizer, o grande lance dessa imprensa sobreviver é você ter a confiança dos anúnciantes, senão você não anda. Então na Bahia nós temos ai cerca de uns 50 jornais circulando pelo interior, mas são muito pouco os diários; acho que Ilhéus tem, Itabuna tem, Conquista, Feira, e o resto é semanal, quinzenal, mensal. Nos maiores centros da Bahia já têm jornais diários. O Foca: O senhor já escreveu vários livros que tratam especificamente da televisão, inclusive alguns editados fora do país, como "The Impact of the 1964 Revolution on Brazilian Television". O senhor também é coordenador do Grupo de Trabalho de Televisão do congresso da Intercom. Bom, como Sérgio Mattos observa o envolvimento de grandes emissoras de TV em negócios mirabolantes como na compra das teles? Isso não prejudica o jornalismo destas emissoras, tornando-o cada vez menos parcial? S.M: Olhe, você tem que ver o seguinte: uma emissora de televisão não é necessariamente só jornalismo. Ela tem a parte de jornalismo e a parte de cultura, e a parte de educação. Hoje a televisão brasileira é muito mais cultural do que qualquer outra coisa, 90% ou mais é cultura. Educação mínimo, informação mínimo. O Foca: E qualidade tem? S.M: Não, qualidade a televisão brasileira tem. Tem qualidade de produção melhor que a americana. O Foca: Sim, mas eu estou me referindo à qualidade dos programas... S.M: Sim, mas isso é também uma outra tendência. Agora que você está vendo um avanço da televisão paga, a televisão brasileira vai se nivelar por baixo, porque não há mais necessidade deles investirem tanto para ganhar audiência, que vai ser uma audiência mínima pois todo mundo vai preferir a outra, que é uma coisa que já foi verificada em outros países. Elas vão ficar todas niveladas e o diferencial vai ser o anunciante que eles vão buscar, mas que está justamente na televisãp paga, onde o telespectador tem maior poder aquisitivo. Não significa que eles vão deixar de ganhar dinheiro, mas ai vão deixar de investir na qualidade dos programas. Então, os programas mais barator e mais fáceis são os de auditório. Se você chega na televisão americana, você vê o dia inteiro programa de audiório. É só game show e mais nada. O Foca: Voltando ao assunto, não é proibido que as emissors invistam em vários setores e criem monopólios? S.M: Proibido vírgula! A gente tem que ver ai o problema legal, que permite a existência de monopólios. Estão permitindo que um grupo de televisão tenha jornal e televisão na mesma cidade, que tenha TV a cabo, pois estão preocupados mais com outras coisas... . E esse monopólio é que é perigoso, e não o monopólio de audiência, e é isso que precisa ser reformulado na Constituição. Acusar a Globo de que ela está tendo mais audiência que as outras..., ela tem mais porque ela está sendo mais eficiente. A Constituição não proibe, ela não olha a coisa como um grupo. Assim você tem jornal, rádio e televisão na mesma cidade, e mais companhia de informática, satélite, companhia telefônica, tudo na mão do mesmo grupo. O Foca: O senhor foi aluno da Facom, se formou lá e depois foi professor da unidade e se aposentou em 1997. Qual a avaliação que o senhor, com a sua experiência, faz da nossa Faculdade de Comunicação? S.M: Bom, nós temos hoje uma faculdade que melhorou muito em todos os níveis, não só o nível do corpo docente. Desde a época que eu fui estudante os profissionais que ensinavam eram os melhores da cidade; eram jornalistas, advogados, médicos, que exerciam a profissão de jornalismo e passaram a ensinar. O alunado melhorou: naquela época, fazer jornalismo era coisa de maluco, era coisa de poeta, de gente que não conseguia passar em outro canto mas que passava em jornalismo, e hoje não. Para você entrar na faculdade hoje é uma competição muito grande, pois é um dos cursos mais procurados. Então, no processo seletivo do alunado, você já teve uma melhoria. Se você melhora o produto que entra, obrigatoriamente você tem que melhorar quem está ensinando. Você tem dentro da UFBA hoje um grupo de professores extremamente competentes em sas respectivas áreas. Nós estamos hoje na Facom com um exelente nível em relação às outras faculdades, e inclusive eu acho que a nossa Facom aqui é melhor que o curso de jornalismo da USP. Eu só acho que a gente deveria se conscentrar um pouco mais na graduação.
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