Entrevista

 

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Sérgio Mattos
"Sensura é mito"

 

   Sérgio Mattos nasceu em 1948, em Fortaleza, Ceará. Se radicou na Bahia em 1959 e, literário, lançou em 1968, junto com Ivan Soares, a famosa revista Experimental, quando tinha apenas os seus 20 anos de idade. Estudante da Faculdade de Comunicação da Universidade Federal da Bahia, começou a atuar como jornalista também em 1968, participando do grupo que formou o revolucionário jornal Tribuna da Bahia, de Quintino de Carvalho. Foi de repórter a editor, cargo que ocupa hoje no jornal A Tarde, com muito talento e dedicação.
   Se formou pela Facom e fez mestrado e doutorado na Universidade do Texas, em Austin, EUA. Publicou alguns livros técnicos nos EUA, como "The Development of Communication Policies Under the Peruvian Military Goverment" e "The Impact of the 1964 Revolution on Brazilian Television", respectivamente em 1981 e 1982.Também publicou vários artigos especializados no Brasil e no exterior. Seu primeiro livro individual de poesias foi "Nas Teias do Mundo", publicado em 1973. Em 1977, lançou o seu "O Vígia do Tempo", traduzido para o inglês, seu segundo livro individual de poesias. E por gostar tanto de literatura que Sérgio Mattos, quando presidente do Instituro Baiano do Livro (IBI), tentou possibitar a instalação da primeira editora de peso na Bahia, mas não conseguiu.
   Mattos dedicou boa parte de suas pesquisas à televisão brasileira. A sua tese de doutorado, entitulada "Domestic and Foreign Advertising in Television and Mass Media Growth: A Case Study of Brazil", editado pela Microfilm University, é um exemplo. Em 1990, teve editado pelo jornal A Tarde e Assossiação Brasileira de Agências de Propaganda/Capítulo Bahia, o livro "Um Perfil da TV Brasileira: 40 Anos de História (1950-1990)".
   Hoje, o jornalista, professor aposentado da Facom, poeta, escritor, pesquisador e músico Sérgio Mattos se lança num novo desafio: estabelecer no mercado o seu mais novo produto, a revista de arte, cultura e entretenimento Neon. A Neon, e vocês irão ler que não foi fácil nem barato encontrar este nome, está nas bancas desde janeiro deste ano. É uma revista bonita, bem escrita, que conta com colaboradores de renome, e, se estabelecido, será mais um espaço aberto para profissionais do jornalismo. E foi para falar da revista, e de outras coisas mais, que Sérgio Mattos nos concedeu uma breve entrevista nas instalações do jornal A Tarde. Leiam e aproveitem:

 

O Foca: A Bahia precisava de uma revista como Neon?
Sérgio Mattos: Na verdade, Salvador já tem algumas revistas, agora revistas que não são profissionais; tem muita gente amadora. Sempre que surgem dois ou três números, param, desaparecem de circulação. Em toda história da imprensa baiana, você só vai encontrar uma revista que foi mais duradora na década de 50, que se chamava Única e que foi feita por Gilberto Amado; esta se manteve por longos anos. Eu não cheguei a fazer uma pesquisa estatística na área, mas teve uma outra chamada Liderança, na década de 70, que permaneceu até o número 25 ou 26, e que era mensal também. A partir daí nenhuma outra sobreviveu, salvo essas mais recentes como a Viver Bahia, da Bahia Turssa, que era sustentada pelo Governo do Estado, mas mesmo assim deixou de existir por falta de recursos. E uma outra revista, não consigo me lembrar agora o nome dela... ah sim, a revista Panorama, feita em Feira de Santana, que também acabou. A Panorama de Feira de Santana tinha uma gráfica que mantinha a revista, mas ela não foi para a frente, apesar de ter um cunho mais profissional do que outras. E agora a gente resolveu investir no mercado, pensando e acreditando na possibilidade de que 5% do PIB baiano se constitui basicamente de produtos culturais. Quer dizer, a cultura estabelece empregos diretos e indiretos, principalmente a música baiana. É uma fatia do mercado muito grande, a ser explorada, que tem dinheiro circulante, então tem um mercado que pode sustentar uma revista desse nível. Decidimos fazer uma revista de arte, cultura e entretenimento, que você pega justamente todo esse leque.
O Foca: Nas duas primeiras edições, Ivete Sangalo e Carlinhos Bronw foram capa da revista...
S.M: Sim, mas não é necessariamente capa vinculada com entrevista.
O Foca: É uma revista que vai falar mais sobre a música baiana?
S.M: Não, não. Ela vai se concentrar nos assuntos temáticos de cada mês, assuntos que estejam realmente em maior evidência. No mês de Carnaval não poderia ser outra coisa que não fosse Carnaval, e janeiro já é pré-Carnaval, então tínhamos que nos concentrar um pouco mais sobre isto. Mas este mês, ela vai falar sobre a cidade de Salvador. A capa, por exemplo, é Tomé de Souza. Você muda toda uma estrutura em função do tema em que está trabalhando.
O Foca: E como está sendo a receptividade do público, as vendagens da revista? O senhor tem recebido muitas críticas?
S.M: Críticas, elogios, cartas, comentários, a maioria de espectativas, achando que a revista está boa, mas nós temos uma auto-crítica específica nossa; temos analisado os nossos defeitos e temos notado que a maioria deles é por causa da infra-estrutura, digamos, pouco adequada, mas estamos fazendo e corrigindo ou erros de um número para o outro. Quando você faz o número um, o dois, o três você nota uma evolução, um aperfeiçoamento, e isso é normal. Eu acredito que a revista só vai ganhar um perfil próprio depois que ela tiver mais de um ano. Ah sim, com relação a receptividade, os números estão se esgotando. Nós só tivemos acesso ao primeiro número, para guardar, pois não havíamos pensado em guardar antes, agora, depois de algumas devoluções de bancas; não que não tivesse vendido, mas por causa da chegada do novo número e o recolhimento do anterior. As pessoas continuam procurando ainda a capa de Ivete.
O Foca: É difícil montar uma revista na Bahia e no Brasil?
S.M: Sim. As dificuldades, por exemplo, na Bahia seriam as da credibilidade e periodicidade. Depois que você lança uma revista, você tem que garantir uma periodicidade; se você diz que a revista é mensal, ela tem que circular mensal. As outras revistas que existem, por exemplo, se dizem mensais mas circulam assim: uma em dezembro, outra em abril... . A nossa não, está saindo mensal mesmo. A grande dificuldade real é você manter esta periodicidade, você obter a confiança dos anunciantes para que eles possam anunciar. Se você tem credibilidade, os anuncios chegam, mas mesmo assim estamos saindo com o terceiro número e ainda temos muitas dificuldades em obter anuncios. Até porque as pessoas não acreditam ainda que a revista está implantada, está estabelecida.
O Foca: A revista é algum projeto antigo do senhor, já tem muito tempo que o senhor queria lançar a revista?
S.M: Na verdade nós passamos o ano passado todo estudanto esta revista, desde abril. Passamos o ano todo elaborando o projeto, registro de nome, registro de empresa, toda a parte burocrática. E o mais difícil realmente foi obtermos o nome, porque nós chegamos a relacionar 200 nomes; toda vez que chegávamos com um nome, o registro já existia. E cada registro desse custa 20 reais, ou melhor, cada consuta para você saber se o nome pode ser registrado ou não. Você faz uma consulta e depois de uma semana ou dez dias o cara lhe informa se o nome já está registrado pela empresa tal. Nós passamos o ano todinho nisso, e quando chegamos em dezembro dissemos: a revista tem que sair em janeiro. De qualquer jeito, quando chegou em dezembro, conseguimos registrar o nome Neon, que ainda não tinha.
O Foca: Folheando a revista, observamos que ela tem um forte apelo visual. Parece que hoje isso é uma tendência...
S.M: Mas observe o seguinte: tem muita gente criticando, principalmente os colegas jornalistas, que acham que deveríamos ter mais fotos e menos textos ou textos mais curtos. Estamos dando muita leitura ainda na revista. E na verdade este é um fator diferencial que nós escolhemos. Como é uma revista mensal, a gente espera que as pessoas tenham tempo para ler.
O Foca: A revista tem uma boa equipe de colaboradores e repórteres....
S.M: Sim, mas na verdade, neste momento inicial, nós só temos colaboradores. Os nossos repórteres são prestadores de serviços. Nós não temos a equipe ainda estabelecida, formada, porque para você estabelecer  uma equipe formada, para você contratar pessoas, você precisa ter a segurança de que a empresa já esteja caminhando. E como o negócio está muito novo ainda, e não temos nenhum grupo de capitalistas por trás, a gente se reuniu, investimos nossas economias, e estamos tocando o barco para frente. E como o custo é alto, estamos preferindo trabalhar com prestação de serviço. Se você está disponível para fazer uma matéria, eu lhe contrato, você faz a matéria, acertamos o preço e a gente trabalha no pacote.
O Foca: Uma boa equipe é garantia de sucesso para uma revista?
S.M: Também, também. No caso nosso, por exemplo, o corpo de colaboradores têm nome. Todas as pessoas que estão colaborando já são reconhecidas e aceitas pela sociedade. Então nós convidamos, as pessoas entraram nessa jogada, alguns não recebem coisa alguma, e futuramente a gente vem a pagar a colaboração.
O Foca: Em 68, o senhor, junto com Ivan Soares, lançou a revista Experimental. Hoje é a vez da revista Neon. O senhor poderia estabelecer um paralelo entre estes dois momentos da sua vida?
S.M: Bom, primeiro, em 1968, estávamos na faixa dos 20 anos e queríamos mostrar, expor as poesias que a gente fazia. Então, junto com Ivan, criamos a revista Experimental. Era uma revista só de poesias; ela não tinha outra coisa que não fosse poesia. E ela só durou até o número três, número crítico de qualquer revista. Só que esta poderia estar circulando até hoje, mas acontece que quem bancava era a gente mesmo, então um casou e o outro casou e ficamos sem dinheiro para poder manter a revista. Essa revista, naquela época, contribuiu para o lançamento de 30 poetas baianos...
O Foca: O senhor, e além de si próprio, poderia citar alguns?
S.M: Por exemplo, a Aninha Franco, como poetisa, foi lançada pela minha revista, só para citar um nome conhecido. E posterior à Experimental, eu não tive outra experiência com revista salvo em ter trabalhado em revista. Eu trabalhei na revista Liderança, quando eu era estudante da faculdade, que foi uma das revistas que eu citei no início, que durou quase três anos e era direcionada à classe empresarial; tratava de negócios, de economia, de publicidade, de marketing, já naquela época... , então ela tinha uma circulação muito dirigida, não vendia em banca. Como a nossa atualmente, a gente está distribuindo 80% porque nós não tivemos dinheiro para fazer uma campanha de lançamento. Então eu não posso vender assinatura, não posso dar essa garantia de que os 20 mil exemplares serão vendidos em banca, e estamos distribuindo para as pessoas tomarem conhecimento. Se você consolida o hábito da leitura, as pessoas depois vão procurar automaticamente nas bancas na busca de algum assunto que interesse. Portanto, não há comparativo entre as duas coisas: agora já é um produto do profissional maduro, comercial mesmo, mas que também é uma contribuição para a arte,cultura e o entretenimento, tendo em vista que se você não faz uma coisa que não seja aceita pelo público, você não atrai anunciante, e para você sobreviver precisa de anuncio. A gente está fazendo uma revista que é cultural, mas com um leque bastante aberto, que você possa tratar de todas as áreas da cultura, inclusive as populares, visando a manutenção dela.
O Foca: Quando é que Neon vai estar na rede?
S.M: Ah... é possível, é possível, mas não tenho uma previsão específica. O tempo que a gente está tendo disponível está todo conscentrando na produção da revista. Uma batalha.
O Foca: E de 68 para cá, o que mudou no jornalismo?
S.M: Mudou muita coisa. Mudou a parte toda da tecnologia. Um grande bum que teve na década de 70 para cá foi o offset, que provocou uma transformação muito forte no jornalismo. Quer dizer, com uma impressão boa, com a visualização das fotografias, a utilização de cores, isso acelerou muito. E já nesta última década foi a tecnologia da informática, que fez com que o jornalismo se tornasse mais agil, que nós tivéssemos mais tempo para apurar uma maior quantidade de notícias. Os jornais de 30, 40 anos atrás eqüivaliam somente ao que é um suplemento hoje de um jornal como o A Tarde; o jornal todo tinha oito páginas, doze páginas, hoje você sai com uma edição de 60, 80 páginas, que são feitas de um dia para o outro, com uma tiragem dez vezes superior a de trinta ou quarenta anos atrás. Isso tudo por causa de uma tecnologia alinhada que faz com que o jornal avance. Agora houve também um avanço em termos de conteúdo: hoje você dispões de profissionais que trabalham especificamente com jornalismo, se formaram em jornalismo, estudaram para ser jornalistas. Até a década de 70, qualquer pessoa que queria ou soubesse escrever ia para o jornal fazer "bico", as pessoas se sentavam e escreviam as opiniões dela (era um jornalismo muito mais opinativo), faziam críticas, mas não apuravam os fatos. Hoje tem a crítica, as opiniões, mas existe a apuração dos fatos. Independentemente de tudo isso, houve um período em que sofremos uma série de restrições, que era o perído de sensura que foi imposto pelo governo, e depois tivemos a abertura total. Foram dois massacres, na verdade, que o jornalismo sofreu: um pela sensura do governo, que limitou a criatividade, limitou o desenvolvimento da imprensa, e depois quando veio a abertura o pessoal achava que podia falar de qualquer coisa, então partiu assim com a cara e o peito aberto, enfrentando tudo, contra todo mundo, denunciando tudo, e nós pecamos muito nessa fase do tentar passar o Brasil a limpo, assumindo uma postura, digamos assim, até infantil. A imprensa pode contrinuir com o desenvolvimento, pode contribuir para uma porção de coisas, mas ela na verdade tem que ter o papel da vigilância, ela tem que estar sempre denunciando sobre os problemas de vigilância. É como o velho chavão diz: "A imprensa é o cão de guarda da sociedade". E eu acredito que essa fase foi ruim para a imprensa, sobre um ponto de vista, porque diminuiu um pouco a credibilidade que a gente tinha. Mas se a gente pecou por excesso, pelo menos não pecou por omissão. Isso foi importante, pois contribuiu para que a imprensa amadurecesse,  que novos profissionais surgissem, profissionais mais independentes, foi no mesmo período, nestes últimos 30 anos, que a publicidade brasileira se profissionalizou mais e que possibilitou à imprensa ter, por exemplo, maior independência, porque quando você recebe vários anuncios de várias fontes você fica mais independente.
O Foca: Como foi a ditadura na Bahia, mais especificamente?
S.M: Foi o mesmo processo. O processo foi nacional. Aqui nós tínhamos proibições um pouco mais rígidas do que no Rio e São Paulo, porque assuntos que eram liberados lá eram proibidos aqui. Quer dizer, a sensura era exercida de uma maneira muito pessoal; se um delegado da Polícia Federal não queria, ele não queria e ficava por isso mesmo, e ai de você se fosse contra. Agora a imprensa baiana eu acho que evoluiu; se você for traçar um paralelo em relação a Rio ou São Paulo, a nossa evoluiu muito mais intensamente do que a deles, porque a gente tinha um nível muito baixo. Então, a partir do offset, que chegou na Bahia em 79, com a Tribuna da Bahia, houve uma melhoria muito mais sensível e notada aqui do que lá.
O Foca: Outro dia, o editor de política da Tribuna, Ivan Carvalho, falava que a situação financeira do jornal está muito complicada e que eles não podem nem fazer oposição com medo de perder

 

 

 

 

"Em toda história da imprensa baiana, você só vai encontrar uma revista que foi mais duradoura na década de 50, que se chamava Única..."

 

 

 

 

 

"Um grande bum que teve na década de 70 para cá foi o offset, que provocou uma transformação muito forte no jornalismo."

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

"Eu acredito que a revista só vai ganhar um perfil próprio depois que ela tiver mais de um ano."

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

"Os jornais de 30, 40 anos atrás equivaliam somente ao que é um suplemento hoje de um jornal como o A Tarde..."

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

"Depois que você lança uma revista, você tem que garantir uma periodicidade; se você diz que a revista é mensal, ela tem que circular mensal."

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

"Aqui nós tínhamos proibições um pouco mais rígidas do que no Rio e São Paulo, porque assuntos que eram liberados lá eram proibidos aqui."

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

"Então nós convidamos, as pessoas entraram nessa jogada, alguns não recebem coisa alguma, e futuramente a gente vem a pagar a colaboração."

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

"O que está se questionando hoje não é mais a sensura, a influênca, mas sim os critérios da utilização dos espaços na mídia, o filtro que é exercido."

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

"E eu não acredito acredito, e posso até aqui dar um chute, que o jornalismo vá virar jornalismo on-line, como tem muita gente pensando, porque o jornalismo on-line é muito demorado."

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

"Então vai haver uma mudança na imprensa; eu não sou profeta não, mas a gente pode projetar a partir de algumas observações."

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

" É o processo de regionalização que vai atingir, gostem ou não, a imprensa  escrita também, como está atingindo hoje as redes de televisão que já estão se regionalizando."

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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anunciantes e, consequentemente, perderem dinheiro. O senhor não acha que hoje existe uma outra sensura, mais mascarada?
S.M: É. Eu tenho um livro que se chama "Controle dos Meios de Comunicação", editado inclusive pela UFBA, em que eu trato justamente sobre isso. A sensura policial você conhece porque ela é exercida pela força, enquanto que a outra sensura é muito mais sutil; é uma sensura econômica, uma sensura política. A sensura econômica é a pior que existe,já que você não pode falar alguma coisa que afete o seu anunciante porque você tem que garantir a sobrevivência da sua empresa. Por isso a gente tem que buscar aumentar os nossos anunciantes para ficar mais independetes.
O Foca: E o senhor não acha que às vezes a imprensa sensura a própria imprensa. Por exemplo, recentemente o jornalista da Folha de São Paulo, Juca Kfouri, revelou o polêmico contrato entre a CBF e a Nike. Ele não ganhou primeira página e também a sua notícia não mereceu sequer a mínima atenção por parte do restante da imprensa...
S.M: Sim, mas você observe o seguinte: no processo de sensura, ou melhor, não chamaria de sensura mas sim de escolha do que se vai publicar, você começa a fazer a seleção das notícias na escolha dos assuntos que você vai trabalhar. Então, se eu chego no jornal pela manhã e tenho mil assuntos, mas eu só posso escolher 200, eu já deixei 800 de lado, que não vão ser publicados. Portanto, já houve ai um filtro muito grande. Qual foi o critério usado para a seleção dos assuntos a serem trabalhados?
O Foca: Sim, mas não se tratava de um assunto importante?
S.M: Mas era importante por que? Qualquer notícia publicada num jornal é importante, não importa o tamanho da notícia. Eu posso botar três linhas no jornal dizendo que os funcionários de uma empresa pequena vão receber 100% de aumento e para eles aquela é a notícia mais importante do jornal, aquelas três linhas, porque diz respeito à vida deles. Você pode ter uma manchete jornalisticamente correta e não ser importante para 90% da população. Então os critérios que são utilizados hoje na imprensa, pelos jornalistas, talvez precisem ser reformulados. O que está se questionando hoje não é mais a sensura, a influênca, mas sim os critérios da utilização dos espaços na mídia, o filtro que é exercido. Então não adianta você defender uma série de coisas se onde está o filto você não reformula. O que se precisa reformular são os critérios de edição. Um editor hoje tem uma responsabilidade muito grande: ele é responsável pelo que faz, é responsável pela seleção, ele é responsável por tudo. O que for publicado hoje é o que o editor escolheu, é escolha pessoal do editor. Você concentra na mão de uma pessoa muito poder. Por mais ético que o cara seja, por mais profissional que ele seja, ele vai se defender sempre e vai dizer "não, eu estou selecionando de acordo com os critérios jornalísticos". Então quais são os critérios jornalísticos? É a proximidade da notícia, a abrangência da notícia, o número de pessoas que ela atinge, porque você ai vai vender mais jornais. O critério é a desculpa de muitos jornalistas. Mas será que este critério jornalístico é correto? Será que estamos selecionando exatamente como deveríamos. Se eu tiver uma notícia ruim e uma notícia boa e só tiver um espaço, vai a notícia ruim. Por que não vai a notícia boa? Notícia boa vende jornal também. Ah, você dizer que descobriram um avanço para a cura da AIDS é tão importante  quanto você dizer que numa batida morreram dez!? Mas esse critério mais imediatista, a noção do que seja notícia num jornal e a que dá mais repercução é que precisa ser reformulada. Então hoje nós estamos vivendo, e eu disse isso há vinte anos passados numa entrevista que dei, a crise da identidade jornalista permanente. A sensura é mito! É um mito, porque a única sensura que falamos é a policial. E a outra sensura: você deixa de dar uma notícia sobre uma pessoa porque esta pessoa é seu amigo, porque é seu parente, e o leitor não tem nada com isso. Então, essa reformulação é uma necessidade do próprio momento em que estamos vivendo. O terceiro milênio vem ai, vai haver reformulações terríveis na vida do homem, e não no sentido negativo, mas sim no positivo, porque a tecnologia está avançando e vai nos permitir uma maior quantidade de tempo para você se dedicar ao lazer, para você se informar cada vez mais, e a partir do terceiro milênio você tem que praticar um jornalismo diferente. E eu não acredito acredito, e posso até aqui dar um chute, que o jornalismo vá virar jornalismo on-line, como tem muita gente pensando, porque o jornalismo on-line é muito demorado. Para você ler aquilo tudo no computador, até o processo de seleção da notícia no computador, se você não disponhe do menu para saber o que quer é muito mais complicado do que você procurar no jornal. No próximo milênio, eu acredito que o jornalismo vai ser muito mais um jornalismo revista, porque a maioria dos nosos problemas hoje vão começar a ser resolvidos, e a gente vai ter que se adaptar às próximas necessidades. Daí que você está vendo surgir hoje: a imprensa especializada. Tem gente que lê jornais e revistas, mas não qualquer um, ele só lê o que interessa a ele. Se o cara gosta de surf, ele compra a revista de surf dele. Cada um vai se especializando, buscando o seu próprio segmento, então a imprensa vai ter que buscar, que fazer as coisas de acordo com o que aquele segmento quer. Você não vai mais falar assim: a grande massa. Você vai falar de pequenos grupos e direcionar o seu trabalho para eles, e ai você ocupa um espaço, pois você vai ter anunciante porque existem os consumidores, e então você vai ter uma grande multiciplidade muito maior de ofertas, e você vai poder escolher à sua vontade. Então vai haver uma mudança na imprensa; eu não sou profeta não, mas a gente pode projetar a partir de algumas observações.  Você vai ter no Brasil, por exemplo, alguns poucos jornais nacionais e o restante voltado para a sua cidade. Por que perder tanto espaço para dar notícias que não interessam ? Se ele quiser, vai comprar o jornal local e também o nacional, como acontece na Europa e nos EUA. Nos EUA você têm quatro ou cinco jornais nacionais e o resto é tudo local. E isso é uma tendência.
O Foca: E fica até mais fácil de vigiar...
S.M: De vigiar?
O Foca: Sim, de observar os erros e os excessos.
S.M: Não, mas não é um problema de vigia. A palavra "vigiar" ai me assusta, porque fica parecendo que fica mais fácil de controlar. O mais fácil de você fazer um jornal completamente local é você fornecer à população na qual você está inserida, é oferecer a maior quantidade de informações sobre esta cidade. Porque hoje você deixa de publicar milhares de coisas porque você está publicando notícias internacionais, você está publicando notícias nacionais que não às vezes não interessam à população local. Quer dizer, isso é uma coisa muito nova, eu não posso dizer que esse é um modelo, mas existe uma tendência de você ser cada vez mais local regional. É o processo de regionalização que vai atingir, gostem ou não, a imprensa  escrita também, como está atingindo hoje as redes de televisão que já estão se regionalizando. Só que elas estão começando o processo de regionalismo de uma maneira inversa: ao invés de começar pelo conteúdo eas estão começando pelo faturamento. Então toda rede de televisão hoje, na Rede Globo por exemplo, essas emissoras regionalmente são independentes no faturamento. Elas faturam mais localmente. Então elas poderiam também reverter esse quadro e começar a ter maior quantidade de produção local, e menos nacional. Mas por questões econômicas, ainda a coisa permanece. Porém a tendência é a se aumentar a regionalização em todos os sentidos: o comercial, a produção, a notícia. Quanto tempo isso vai levar para acontecer eu não sei.
O Foca: E como está o jornalismo municipal hoje, o senhor que é editor de um caderno de municípios?
S.M: Já têm 14 anos que a gente faz isso. Nós fomos pioneiros no Brasil nisso,foi a primeira experiência regional, municipal, foi esta nossa, depois os outros jornais fizeram. E essa é uma tendência.
O Foca: Sim, mas como está hoje os pequenos jornais municipais que existem no interior?
S.M: As dificuldades destes pequenos jornais é de sobrevivência de anúncios. Se você está numa comunidade muito pequena que o comércio é pobre ele não tem muito futuro, a não ser que tenha alguém bancando. Quer dizer, o grande lance dessa imprensa sobreviver é você ter a confiança dos anúnciantes, senão você não anda. Então na Bahia nós temos ai cerca de uns 50 jornais circulando pelo interior, mas são muito pouco os diários; acho que Ilhéus tem, Itabuna tem, Conquista, Feira, e o resto é semanal, quinzenal, mensal. Nos maiores centros da Bahia já têm jornais diários.
O Foca: O senhor já escreveu vários livros que tratam especificamente da televisão, inclusive alguns editados fora do país, como "The Impact of the 1964 Revolution on Brazilian Television". O senhor também é coordenador do Grupo de Trabalho de Televisão do congresso da Intercom. Bom, como Sérgio Mattos observa o envolvimento de grandes emissoras de TV em negócios mirabolantes como na compra das teles? Isso não prejudica o jornalismo destas emissoras, tornando-o cada vez menos parcial?
S.M: Olhe, você tem que ver o seguinte: uma emissora de televisão não é necessariamente só jornalismo. Ela tem a parte de jornalismo e a parte de cultura, e a parte de educação. Hoje a televisão brasileira é muito mais cultural do que qualquer outra coisa, 90% ou mais é cultura. Educação mínimo, informação mínimo.
O Foca: E qualidade tem?
S.M: Não, qualidade a televisão brasileira tem. Tem qualidade de produção melhor que a americana.
O Foca: Sim, mas eu estou me referindo à qualidade dos programas...
S.M: Sim, mas isso é também uma outra tendência. Agora que você está vendo um avanço da televisão paga, a televisão brasileira vai se nivelar por baixo, porque não há mais necessidade deles investirem tanto para ganhar audiência, que vai ser uma audiência mínima pois todo mundo vai preferir a outra, que é uma coisa que já foi verificada em outros países. Elas vão ficar todas niveladas e o diferencial vai ser o anunciante que eles vão buscar, mas que está justamente na televisãp paga, onde o telespectador tem maior poder aquisitivo. Não significa que eles vão deixar de ganhar dinheiro, mas ai vão deixar de investir na qualidade dos programas. Então, os programas mais barator e mais fáceis são os de auditório. Se você chega na televisão americana, você vê o dia inteiro programa de audiório. É só game show e mais nada.
O Foca: Voltando ao assunto, não é proibido que as emissors invistam em vários setores e criem monopólios?
S.M: Proibido vírgula! A gente tem que ver ai o problema legal, que permite a existência de monopólios. Estão permitindo que um grupo de televisão tenha jornal e televisão na mesma cidade, que tenha TV a cabo,  pois estão preocupados mais com outras coisas... . E esse monopólio é que é perigoso, e não o monopólio de audiência, e é isso que precisa ser reformulado na Constituição. Acusar a Globo de que ela está tendo mais audiência que as outras..., ela tem mais porque ela está sendo mais eficiente. A Constituição não proibe, ela não olha a coisa como um grupo. Assim você tem jornal, rádio e televisão na mesma cidade, e mais companhia de informática, satélite, companhia telefônica, tudo na mão do mesmo grupo.
O Foca: O senhor foi aluno da Facom, se formou lá e depois foi professor da unidade e se aposentou em 1997. Qual a avaliação que o senhor, com a sua experiência, faz da nossa Faculdade de Comunicação?
S.M: Bom, nós temos hoje uma faculdade que melhorou muito em todos os níveis, não só o nível do corpo docente. Desde a época que eu fui estudante os profissionais que ensinavam eram os melhores da cidade; eram jornalistas, advogados, médicos, que exerciam a profissão de jornalismo e passaram a ensinar. O alunado melhorou: naquela época, fazer jornalismo era coisa de maluco, era coisa de poeta, de gente que não conseguia passar em outro canto mas que passava em jornalismo, e hoje não. Para você entrar na faculdade hoje é uma competição muito grande, pois é um dos cursos mais procurados. Então, no processo seletivo do alunado, você já teve uma melhoria. Se você melhora o produto que entra, obrigatoriamente você tem que melhorar quem está ensinando. Você tem dentro da UFBA hoje um grupo de professores extremamente competentes em sas respectivas áreas. Nós estamos hoje na Facom com um exelente nível em relação às outras faculdades, e inclusive eu acho que a nossa Facom aqui é melhor que o curso de jornalismo da USP. Eu só acho que a gente deveria se conscentrar um pouco mais na graduação.