Projecto de Lei N.º 634/VII

Lei do Serviço Militar


Exposição de motivos


 



A Revisão Constitucional de 1997, através das alterações que, com o contributo activo do PSD, introduziu nas disposições do n.º 2 do artigo 275.º e do n.º 2 do artigo 276.º, desconstitucionalizou a obrigação de prestação de serviço militar. Nestes termos, passou a competir à lei ordinária estatuir sobre a natureza obrigatória ou voluntária do serviço militar e abriu-se a porta para a extinção do «serviço efectivo normal» (SEM), comummente designado de serviço militar obrigatório.

O PSD defende a extinção do SEN, por considerá-la um momento determinante de modernização das Forças Armadas portuguesas e uma muito legítima expectativa dos cidadãos portugueses, em particular dos mais jovens. Convicto do acerto das suas opções nesta matéria, o PSD apresenta o seu projecto de lei do serviço militar. Trata-se de um documento fruto de uma profunda reflexão, que não se limita a introduzir alterações ou embustes no anterior regime jurídico do serviço militar, constante, basicamente, da Lei n.º 30/87, de 7 de Julho. O PSD preconiza uma verdadeira nova lei do serviço militar, reformando amplamente este conceito e extinguindo o SEN. Procurou-se uma apurada unidade interna e uma equilibrada adequação valorativa, por outras palavras, uma ideia de sistema coerente e rigorosa, capaz de conferir transparência à estrutura interna do regime jurídico e fluidez ao articulado da lei.

Enquanto assumiu responsabilidades de governo, o PSD conduziu uma profunda reforma das Forças Armadas, tendo dado os primeiros passos no sentido da completa profissionalização destas, sem os quais seria hoje absolutamente impensável a extinção do SEN. De facto, a reforma do serviço militar feita em 1991, com a redução para quatro meses do SEN, antes de doze meses no Exército e de dezoito meses na Marinha e na Força Aérea, e com a introdução dos regimes de voluntariado e de contrato, foi assumida conscientemente como uma fase vestibular de um modelo de serviço militar integralmente voluntário. Houve nessa opção implicações financeiras evidentes; mas estas foram inequivocamente assumidas como um meio necessário para prosseguir os seguintes objectivos considerados essenciais: 1) Configuração do SEN em função dos regimes de voluntariado e de contrato, de modo a assegurar a progressiva passagem de uma lógica de conscrição, assente naquele, para uma lógica de assunção voluntária da prestação de serviço militar, assente nestes; 2) Maior coerência, em termos de objectivos funcionais e de abrangência pessoal, com o sistema previsto na Constituição para o serviço militar obrigatório; 3) Criação de um factor de modernização das Forças Armadas; 4) Adequação entre a natureza do serviço militar e as novas missões que a situação geoestratégica então em fase de consolidação conceptual já tinha anunciado competirem às estruturas militares.

No início da década de noventa a reforma encetada em Portugal assinalou um momento de vanguarda no seio dos países nossos parceiros dos sistemas colectivos de segurança e defesa de que Portugal faz parte e da União Europeia, mas veio rápida e claramente a ser ratificado pela evolução que têm tido os modelos de prestação de serviço militar nesses países. Na verdade, as opções portuguesas de então foram solidamente sustentadas numa análise das mutações geoestratégicas do pós-guerra fria, as quais, com a alteração das anteriores capacidades de disciplinar a conflitualidade regional, permitiram o despontar de novos desafios de dimensão estratégica no âmbito da segurança, que são conhecidos, e que se traduziram em riscos ligados, quer a uma conflitualidade regional, multifacetada, disseminada e muito volúvel, provocado por tensões acumuladas de natureza étnica, religiosa, cultural, política, demográfica, económica e ambiental, quer ao fenómeno da proliferação, quer, ainda, aos tráficos criminosos e ao terrorismo.

No actual contexto multipolar, que então emergiu, caracterizado por tendências contraditórias de globalização e de fragmentação do poder e em que são evidentes a interdependência e a interacção crescentes nos vários domínios e dimensões de poder novas e complexas, sem esquecer a informação como recurso hoje com projecção estratégica, a prevenção de conflitos e a gestão de crises passaram, como se sabe, a desempenhar papel determinante nas relações internacionais, com protagonismo acrescido do Conselho de Segurança das Nações Unidas e das organizações dos sistemas colectivos de segurança e defesa e sustentadas em novos registos conceptuais que postulam a integração de uma dimensão militar na política externa e o momento cooperativo da segurança e da solidariedade.

Nestes termos, os novos desafios da segurança reclamam, entre nós como no estrangeiro, Forças Armadas que, sem perderem de vista a sua missão primeira de garantia da independência nacional, da integridade territorial e da liberdade e segurança dos portugueses, não esquecendo as missões de interesse público, tenham capacidade para, em condições de plena integração em forças multinacionais, participarem nas operações de apoio à paz, incluindo as humanitárias, de observação e de fiscalização, e contribuírem activamente para a política de cooperação. À redução dos efectivos e dos dispositivos correspondeu a necessidade de capacidades acrescidas a nível de sistemas de armas e equipamentos, capazes de sustentarem organizações militares com elevados padrões de preparação, versatilidade, prontidão e mobilidade, numa palavra, com melhores condições de operação conjunta e combinada; e também a necessidade de recursos humanos plenamente disponíveis e preparados, condições só atingíveis numa lógica de serviço militar voluntário, pois aquelas novas missões requerem a disponibilidade e o emprego efectivos das forças militares, para mais no estrangeiro, e a complexidade dos novos sistemas de armas e equipamentos exigem lógicas de operação, manutenção e de processo de decisão não compatíveis com os modelos de serviço militar obrigatório.

Era, assim, necessário avançar em Portugal na renovação profunda do modelo de prestação de serviço militar, não apenas por razoes sociológicas e de modernização das Forças Armadas, mas também como condição para a afirmação internacional do nosso País, porque se reconheceu, neste ponto, que a fronteira dos nossos interesses, do espaço estratégico de salvaguarda dos interesses nacionais, é bem mais ampla do que a nossa fronteira territorial e que a preservação daquela requeria que Portugal pudesse assumir plenamente a sua vocação euro-afro-atlântica, com destaque para o nosso contributo no processo de reforço da identidade europeia de segurança e defesa, para a participação com os nossos aliados nos desafios actuais da segurança e da solidariedade, para o fortalecimento do espaço da língua e cultura portuguesas, que inclui os países da CPLP mas também Timor e outras comunidades, e para a cooperação técnico-militar com os PALOP, sem esquecer, ainda, o desenvolvimento das relações bilaterais na área da defesa, destacando-se aqui a componente estratégica transatlântica e regional (Espanha e Maghreb). É, aliás, digna de realce a forma como os militares portugueses têm sabido dignificar Portugal nas missões internacionais em que têm participado.

Sem nunca perder de vista os objectivos que vêm de referir-se, o novo sistema de serviço militar foi então posto a funcionar em Portugal, sendo permanentemente acompanhado, com vista à introdução dos ajustamentos necessários e a evitar a sua estagnação, pois, como se viu, ele foi concebido para caminhar no sentido da profissionalização do serviço militar. O novo sistema deu os seus frutos, o que permitiu, em 1995, reconhecendo-se que «as novas missões das Forças Armadas e o grau de sofisticação dos modernos sistemas de armas e equipamentos exigem graus de preparação que não são compatíveis com o recurso ao serviço militar obrigatório, por mais prolongado que este seja», conceber um passo complementar, a começar a concretizar desde logo, prévio à integral extinção do SEN: a recondução do período de serviço militar obrigatório ao tempo indispensável para uma preparação militar genérica, traduzindo-se esta evolução numa redução do SEN para um período não superior a dez semanas. Com a tomada de posse do actual Governo, a referida evolução não aconteceu, mas nem por isso esmoreceu o empenho do PSD na concretização da extinção do SEN, como bem ficou demonstrado na Revisão Constitucional de 1997.

A extinção do SEN, em tempo de paz, é para o PSD, pelas razões apontadas, que se mantêm plenamente válidas, muito mais do que uma mera questão de oportunidade ou de opção política; a extinção do SEN corresponde para o PSD a uma verdadeira necessidade nacional, a exigir empenho político e competência. Está, por isso, preocupado com a incapacidade do actual Governo nesta matéria, quer pelas opções que apresenta quer pela falta delas, e não pode deixar de sublinhar a gravidade desta situação.
 
 

II

Como se referiu, o projecto de lei que o PSD agora apresenta visa, entre outros objectivos importantes e que se assinalarão, extinguir o SEN. Isso é feito criando uma nova Lei do Serviço Militar. Foi, por isso, reconstruído todo o modelo do serviço militar, de forma coerente e transparente, pela ponderação cuidadosa dos interesses superiores da defesa nacional e dos respectivos objectivos, a partir da qual se assumiram as necessárias opções axiológicas, num sistema interno com unidade, reflectida no que se crê ser um sistema externo claro e fluido.

No capítulo I, «do serviço militar em geral», inserem-se oito artigos, com as normas de enquadramento de todo o sistema de prestação de serviço militar. Logo após a definição do conceito e dos objectivos do serviço militar, no artigo 1.º, estatui-se que este assenta na assunção voluntária da sua prestação (cf. artigo 2.º, n.º 1). Esta natureza voluntária não prejudica, como não pode deixar de ser, a sujeição dos cidadãos às obrigações que a lei estabelece para o recrutamento e para o serviço efectivo decorrente de convocação ou de mobilização, durante o período de sujeição a obrigações militares (cf. artigo 2.º, n.os 2 e 3), nem a possibilidade da lei vir a estatuir, em estado de guerra, medidas excepcionais (cf. artigo 8.º). Fica, no entanto, claro que em tempo de paz todo o serviço militar efectivo nas Forças Armadas tem uma natureza voluntária. Em consonância com esta natureza, delineou-se o regime, constante do artigo 7.º, do adiamento, interrupção, dispensa, exclusão e isenção das obrigações militares, tendo esta última hipótese a ver com o reconhecimento da situação de objector de consciência. O n.º 4 do artigo 2.º refere-se ao serviço efectivo a prestar pelas cidadãs portuguesas.

O artigo 3.º elenca as situações de serviço militar: reserva de recrutamento; serviço efectivo; reserva de disponibilidade e licenciamento. Deixa, assim, de existir a reserva territorial, o que se justifica pela extinção do SEN e na medida em que passam a integrar a reserva de recrutamento todos os cidadãos entre os 18 e os 35 anos, desde o momento do recenseamento e até atingirem esta idade ou iniciarem o serviço efectivo que vierem, eventualmente, a prestar (cf. artigo 4.º). Tendo prestado serviço efectivo, os cidadãos com menos de 35 anos são incluídos na reserva de disponibilidade e licenciamento (cf. artigo 6.º), a qual se configura em função do serviço efectivo decorrente de convocação ou de mobilização (cf. artigos 27.º a 29.º).

Para além do que decorre de convocação ou de mobilização e do que é prestado nos quadros permanentes (cf. artigo 22.º), o serviço efectivo abrange os regimes de voluntariado e de contrato (cf. artigo 5.º). O serviço efectivo em regime de voluntariado é concebido, não já como uma extensão do SEN (que deixou de existir), mas como uma antecâmara, em termos lógicos e funcionais, do serviço efectivo em regime de contrato, enquanto garante da genuinidade e da solidez da vocação dos cidadãos para prestarem serviço nas Forças Armadas e, assim, do sucesso do vínculo contratual que aqueles venham a pretender iniciar em prol da defesa nacional. É que o serviço efectivo nas Forças Armadas não deve, nem pode, conceber-se apenas como uma mera relação laboral; ele envolve uma entrega e uma dedicação intensas, que reclamam uma verdadeira assunção de responsabilidade. Assim sendo, é positivo conceber os vínculos contratuais como compromissos tendencialmente vocacionais, para o que não é despiciendo o papel do regime de voluntariado. Dos artigos 23.º e 24.º consta a regulamentação dos regimes de contrato e de voluntariado, concebida de forma a concatenar coerentemente ambos e estatuindo limites etários adequados (aqueles que se entendeu deverem ser fixados desde já e não em normas complementares) às carreiras aqui em causa, na perspectiva, das aspirações dos jovens, da sua reinserção na vida civil, finda a prestação de serviço efectivo, e das necessidades das Forças Armadas. Esta regulamentação articula-se naturalmente com a do recrutamento, a referir em breve.

Peça fundamental do sucesso do modelo de serviço efectivo de natureza voluntária é o sistema de incentivos que seja previsto e, sobretudo, efectivamente aplicado. A importância de garantir a efectiva aplicação das previsões normativas em matéria de incentivos está, aliás, bem patente na situação actual em que o Governo caiu de impossibilidade de extinguir o SEN a curto prazo pela absoluta ausência de medidas nesta matéria desde, que tomou posse, medidas que, para além do mais, não demandavam qualquer alteração à Lei do Serviço Militar. Aos incentivos à prestação de serviço efectivo nos regimes de voluntariado e de contrato referem-se os artigos 25.º e 26.º deste projecto de lei, regime que dependerá sobretudo, mais uma vez, da forma como o Governo souber dar-lhe sequência.

Mas para o sucesso dos regimes de voluntariado e de contrato muito importa igualmente o modelo de recrutamento por que se opte, o qual tem, ainda, outras consequências da maior relevância. O capítulo II do projecto de lei apresentado pelo PSD tem exactamente por objecto o recrutamento militar. O recrutamento militar é concebido, naturalmente, como «o conjunto de acções destinadas primordialmente à obtenção dos recursos humanos necessários ao cumprimento das missões das Forças Armadas, através do chamamento e preparação dos cidadãos para a prestação de serviço efectivo» (cf. n.º 1 do artigo 9.º), mas os seus propósitos vão bem mais além, na lógica do n.º 3 do artigo 1.º, que inclui nos objectivos do serviço militar a valorização cívica, cultural, profissional e física dos cidadãos. Nestes termos, a norma do n.º 1 do artigo 10.º estatui que «o recrutamento militar visa predominantemente assegurar às Forças Armadas uma adequada informação sobre os cidadãos portugueses e a estes a compreensão do conteúdo, objectivos e orgânica da defesa nacional e a sua sensibilização para esta, bem como o conhecimento da estrutura e funcionamento das Forças Armadas, conferindo-lhes a plena consciência dos seus direitos e deveres no âmbito da defesa nacional e a percepção da concretização possível dos mesmos, de modo a contribuir igualmente para a sua valorização cívica, para a consolidação do sentimento de responsabilidade e para o sentido de ligação entre os cidadãos e as Forças Armadas e a possibilitar a prestação de serviço efectivo que possa vir a ocorrer».

Se numa lógica de sujeição ao cumprimento do SEN o recrutamento podia configurar-se como uma mera classificação e selecção dos cidadãos para esse cumprimento, numa lógica de assunção voluntária da prestação de serviço militar o recrutamento não pode deixar de assumir uma clara feição formativa, nos termos que vêm de identificar-se. E isto porque o recrutamento passa a constituir o único momento de recolha pelas Forças Armadas do conhecimento necessário e essencial sobre os cidadãos, sendo um pressuposto indelével da eficiência e eficácia das acções de mobilização, permitindo, perante situações de excepção, a ampliação de capacidades, e sendo também um factor insubstituível de incentivo dos cidadãos para prestarem voluntariamente serviço militar.

Mais do que uma condição necessária à prestação do serviço militar, seja ele voluntário ou decorrente, em situações de excepção, de mobilização, as acções que compõem o recrutamento são uma condição de cidadania responsável, um momento de concretização da liberdade em responsabilidade que caracteriza a visão personalista da vida em sociedade, uma parcela do conteúdo ético da soberania em liberdade; são factor que contribui para a plena compreensão e aceitação das Forças Armadas pela sociedade portuguesa, para a integração entre ambas e para a participação desta naquelas; são uma realidade que não vale apenas como suporte insubstituível da acção das Forças Armadas, mas que tem valor em si mesma. Assim, enquanto pressuposto de formação e consciencialização dos cidadãos para o seu papel e o das Forças Armadas perante a defesa nacional, o recrutamento deve, em termos de abrangência subjectiva, ter carácter universal. Esta perspectiva toma-se ainda mais evidente quando se relembra que a prestação de serviço militar não esgota os deveres dos cidadãos para com a defesa nacional.

Na base destas premissas, o projecto de lei do PSD prevê a existência de um recrutamento básico e de um recrutamento complementar, designações obtidas a partir dos respectivos conteúdos e concatenação entre ambos, sendo que as acções que integram cada um deles são concebidas de forma a poderem desenvolver-se articulada e sequencialmente entre si. O recrutamento básico destina-se «ao adequado conhecimento mútuo entre as Forças Armadas e os cidadãos incluídos na reserva de recrutamento e à preparação básica destes para a eventual prestação de serviço efectivo»; o recrutamento complementar destina-se «à assunção voluntária pelos cidadãos de um vínculo, permanente ou temporário, às Forças Armadas, prestando serviço efectivo nos quadros permanentes, em regime de contrato ou em regime de voluntariado». O primeiro tem carácter universal e obrigatório; o segundo tem carácter individual e facultativo.

Estas normas, que constam do artigo 9.º, são complementadas, quanto à estrutura orgânica do recrutamento, pelo artigo 10.º, no qual se provê que «o recrutamento militar integra a formação no âmbito do sistema de ensino e a informação, divulgação e sensibilização públicas permanentes sobre a defesa nacional e o papel das Forças Armadas», que «compete ao Ministro da Defesa Nacional, através do Ministério da Defesa Nacional, a definição da política de recrutamento militar e, em articulação com o Estado-Maior-General das Forças Armadas e com os Estados-Maiores dos ramos, o planeamento das operações de recrutamento e a coordenação da sua execução, de forma a garantir, no processo de recrutamento, a plena nacionalidade de gestão e a acção conjunta de todas as estruturas intervenientes nesse processo» e que «a execução do recrutamento militar compete aos ramos das Forças Armadas, através dos seus órgãos de recrutamento, com a colaboração dos demais serviços públicos cuja intervenção seja considerada necessária».

Ao recrutamento básico referem-se os artigos 12.º a 20.º, os quais esgotam a secção II do capítulo II. De relevar aqui que o recrutamento básico compreende as acções de recenseamento militar, de formação, classificação e selecção e, ainda, de distribuição e alistamento. Elemento decisivo do recrutamento, no sentido que este adquiriu, são as acções de formação, ligadas às de classificação e selecção, reguladas nos artigos 16.º a 18.º. Obviamente, a distribuição e o alistamento são configuradas em função de uma prestação de serviço militar possível mas não necessária (cf. artigos 19.º e 20.º).

Findo o recrutamento básico, os cidadãos ou permanecem na reserva de recrutamento ou, querendo prestar serviço efectivo nas Forças Armadas e tendo aptidão para tal, requerem a abertura do processo de recrutamento complementar. A este se dedica especialmente o artigo 21.º, que é complementado, naturalmente, aquando da regulamentação do serviço efectivo em regime de voluntariado, enquanto momento primeiro da admissão nas Forças Armadas dos cidadãos que assumiram voluntariamente a prestação de serviço efectivo (cf. n.os 3 a 6 do artigo 24.º), sem prejuízo do regime especial de ingresso nos quadros permanentes (cf. artigo 22.º).

Ao conteúdo do capítulo III, «do serviço efectivo nas Forças Armadas», já se referiu esta exposição de motivos. O capítulo IV tem por objecto os direitos e garantias perante o cumprimento das obrigações militares. Do capítulo V, «das disposições complementares», faz-se aqui uma justificada referência aos artigos 36.º e 37.º. Naquele artigo contém-se o regime sancionatório, que foi adequado ao novo sistema de serviço militar e repensado quanto às molduras penais. No artigo 37.º prevê-se a alteração das circunstâncias quanto à disponibilidade de efectivos mínimos fora de situações de excepção, hipótese que os interesses inerentes à defesa nacional justificam que fique expressa, embora o regime instituído sempre pudesse ocorrer. Mas trata-se claramente de um regime exterior ao sistema da lei, ao sistema de serviço efectivo baseado no voluntariado. Comprova-se essa exterioridade pelo rigor da letra da lei na justificação do carácter excepcional da estatuição correspondente à referida hipótese, porque a concretização desta estatuição só pode ocorrer nos termos constitucionalmente previstos para regulamentar esta matéria e porque, para o caso desta concretização ocorrer, são impostos princípios tendentes a salvaguardar direitos e expectativas dos cidadãos.

Do capítulo VI, «das disposições transitórias e finais», fica uma referência ao artigo 38.º, que prevê a transição do sistema de conscrição inerente ao SEN para o sistema de voluntariado que o projecto visa instituir. O novo sistema deverá estar integralmente concretizado até ao fim do primeiro semestre de 2001, dilação realista e razoável se houver vontade política e competência do Governo para concretizar efectivamente o sistema de incentivos ao voluntariado. Nas circunstâncias actuais o PSD sabe da impossibilidade de opção por uma dilação mais apertada. Mas volta aqui a acentuar-se a responsabilidade do Governo do PS, pelo que não fez no período que leva o seu mandato, na criação deste circunstancialismo inibidor. Ainda assim, o PSD preconiza para o período transitório uma redução do tempo actual de prestação do SEN, bem como a aplicação imediata aos cidadãos sujeitos a este de novas garantias quanto aos critérios de incorporação (cf. n.os 3 e 4 do artigo 38.º).
 
 

III

Em Outubro de 1995 passou a competir, legitimamente, ao Governo do PS continuar o processo de modernização das Forças Armadas portuguesas, aqui se inserindo também a extinção do SEN. Este foi, aliás, um compromisso eleitoral expresso, constante também do Programa de Governo. Passados três anos do início de funções, o Governo socialista apresenta à Assembleia da República uma proposta de lei sobre o serviço militar que é verdadeiramente desconcertante. É-o pela pobreza dos objectivos a que se propõe, pelas lacunas evidentes a nível da direcção política do Ministério da Defesa que revela à sociedade e, ainda, pelas opções políticas e técnico-jurídicas que assume.

Objectivamente, a proposta do Governo não extingue o SEN, nem mesmo dá as mínimas garantias de que a prazo o extinguirá; objectivamente, o Governo revela não estar em condições, porque nesse sentido não actuou a tempo, de, como prometeu, extinguir o SEM; objectivamente, o Governo propõe um sistema de serviço militar que, a ser aplicado, afectaria seriamente os interesses superiores da defesa nacional. Em ano de eleições, o Governo decidiu avançar sem ter feito o trabalho de casa, com uma proposta que frustra totalmente as legítimas expectativas da juventude portuguesa e que revela o quanto a estagnação da acção do Governo na área da defesa, já indisfarçável, veio a comprometer uma das reformas essenciais das políticas de Estado, que, decididamente, merecia mais rigor e mais empenho.

Extinguir o SEN não é algo que possa fazer-se «por decreto». Pressupõe muita preparação, através de planeamento minucioso e das consequentes medidas de gestão político-administrativa. Como estas o Governo não as tomou em tempo, limita-se agora a anunciar uma intenção de extinguir o SEN, mas daqui a quatro anos. E trata-se realmente de uma mera intenção, pois, perante o modelo que propõe, o Governo não assume qualquer obrigação de resultado para daqui a quatro anos, sendo, como é, a sua proposta expressa na manutenção do serviço militar obrigatório, em termos que, apesar de, adjectivados de excepcionais, correspondem a um regime concebido numa lógica sistemática de normalidade. Numa palavra, porque ainda não está em condições de controlar política e administrativamente este processo, o Governo não pode saber se o que se propõe para daqui a quatro anos é realizável. E perante a constatação de que a sua proposta nada de essencial acrescenta ao regime actual e de que ela (porque o que está essencialmente em causa é o sucesso da política de incentivos para admissão voluntária nas Forças Armadas) não é indispensável para criar as condições necessárias à extinção, a prazo, do SEN, tornam-se indeléveis as verdadeiras razões de lógica eleitoral que levaram o Governo a apresentá-la neste momento.

A incapacidade do Governo para concluir este processo não é, infelizmente, algo que não se anunciasse há muito. O PSD tem, repetidamente e numa postura responsável, alertado para a estagnação política do Ministério da Defesa Nacional e para as graves consequências que isso acarreta. Não avançam as mais elementares medidas e muito menos se pode falar de uma ponderação estratégica do processo de modernização das Forças Armadas, pois não há uma visão integrada para a utilização dos recursos humanos, materiais e financeiros, para o equilíbrio entre as vertentes de pessoal, operação e manutenção, por um lado, e a vertente de programação militar, por outro, e para se caminhar num sentido qualitativo de obtenção de um produto operacional conjunto dos três ramos; para já não falar da falta de coerência entre a política de defesa e as restantes políticas sectoriais e o modelo de desenvolvimento do País. O deserto abrange rigorosamente todo o conteúdo da direcção política da defesa nacional, mas há que destacar as áreas da alteração do estatuto dos militares e restante pessoal da defesa, incluindo a vertente remuneratória, do redimensionamento do dispositivo e da gestão do património afecto às Forças Armadas, da execução dos programas de reequipamento, da reestruturação do sector empresarial da defesa e da configuração do sistema de investigação e desenvolvimento científico e tecnológico de defesa, da implementação do sistema de mobilização e requisição no interesse da defesa nacional, da reavaliação do sistema de saúde militar, da revisão substantiva, adjectiva e orgânica no âmbito da justiça militar e da disciplina das Forças Armadas. Trata-se de lacunas incompreensíveis e imperdoáveis, que ajudam a explicar a razão das dificuldades do Governo na matéria do serviço militar.

O PSD lamenta ter que fazer este diagnóstico. Estamos perante uma das mais importantes políticas de Estado, em que o sentido de Estado se sobrepõe, sem rodeios, aos interesses políticos, e que deve assentar num amplo consenso nacional. Acontece que o actual Governo nem dispõe de objecto a consensualizar, as prioridades do Ministro da Defesa estão divorciadas das prioridades reais das Forças Armadas e é patente a incapacidade de ultrapassar a gestão pontual dos acontecimentos e das pressões conjunturais, o que significa repercutir no futuro próximo custos e dificuldades acrescidos, a nível qualitativo e quantitativo, com efeitos reais a nível da operacionalidade das Forças Armadas.

Neste contexto, importa reafirmar que as Forças Armadas e todos aqueles que as servem foram capazes de assimilar um profundíssimo processo de reestruturação, com uma lealdade e dedicação assinaláveis, e são um pilar da nossa soberania e, na actual configuração das relações internacionais, da afirmação externa de Portugal. Tornou-se já imprescindível e inadiável um plano, sério e rigoroso, de modernização das Forças Armadas portuguesas, apoiado numa visão e em opções estratégicas, e a concretizar coerentemente e na plena compreensão da importância da política de defesa nacional, nos interesses nacionais subjacentes, na dimensão global que comporta e nos meios de acção de que dispõe.
 
 

IV

Para além de remeter para daqui a quatro anos a eventual extinção do SEN, a proposta apresentada pelo Governo levanta seríssimos reparos, bem mais delicados do que os lapsos técnico-jurídicos que contém e a falta de harmonia do articulado, fruto de evidente falta de amadurecimento e definição. A preocupação vai para a própria estrutura do sistema global de serviço militar proposto, pelo que este, se aplicado, poria em causa os interesses da defesa nacional e afectaria, com grave desigualdade, as expectativas e a estabilidade de vida da juventude portuguesa.

O Governo avança com a ideia, para vigorar findo o período de transição, isto é, numa altura dita de integral profissionalização, da permanência da possibilidade, fora de qualquer situação de excepção, de sujeitar os cidadãos ao cumprimento de serviço efectivo nas Forças Armadas, isto é, de cumprimento de serviço militar obrigatório, por período de tempo que pode até ultrapassar o período máximo hoje previsto para o SEN. Apesar desta possibilidade ser integrada num recrutamento adjectivado de excepcional, ela assenta numa definição de falta de efectivos feita pelo Ministro da Defesa e concretiza-se por mera resolução do Conselho de Ministros, termos em que os cidadãos podem ser convocados para servirem obrigatoriamente nas Forças Armadas por períodos de tempo entre os quatro e os doze meses. Integrando-a, desta forma, no sistema da lei, o Governo desmente a excepcionalidade desta convocação, transformando-a num momento perfeitamente normal do sistema e, se necessário, corrente. O Governo ignorou, por completo, que qualquer recuperação da conscrição para a prestação de serviço militar efectivo obrigatório, só poderá assumir-se enquanto exterior ao sistema de serviço efectivo baseado no voluntariado e enquanto só possa concretizar-se nos termos constitucionalmente previstos para regulamentar esta matéria. Dir-se-ia, assim, que o Governo antevê como normal o insucesso da sua política de incentivos ao voluntariado e que nesta não está a pensar investir o que deveria.

Esta solução é passível de criar forte insegurança na juventude, de afectar gravemente as suas expectativas e de gerar desigualdades intoleráveis entre os jovens. É que a convocação aqui em causa, sendo assumida com intuitos não de formação mas de sanação da falta de pessoal, abrangeria apenas alguns dos que tivessem a mesma idade de idade próxima, tendo, para mais, o Governo esquecido os critérios de selecção dos cidadãos a convocar e previsto um regime deficiente de «dispensa dos deveres militares» inerentes a esta convocação. Além do mais, criar-se-ia uma diferença de tratamento, de todo injustificável, entre os cidadãos obrigados a prestar serviço militar e os cidadãos que prestarem voluntariamente aquele serviço (com a respectiva remuneração e demais direitos), na medida em que a sujeição dos primeiros não resulta de um dever universal, mas apenas da insuficiência quantitativa dos segundos.

Aspecto da maior importância e que não pode passar em claro na proposta do Governo tem a ver com as opções a nível de recrutamento. Quando tem lugar, o recrutamento continua a ser concebido numa mera lógica de obtenção de meios humanos e da sua preparação para o serviço. Nada se evoluiu no sentido de um recrutamento tendente à formação e sensibilização dos cidadãos no âmbito da defesa nacional e das Forças Armadas. Mais ainda, o recrutamento deixa de ser uma obrigação universal, o que tem consequências de grande perversidade. Num sistema em que o SEN foi extinto o recrutamento passa a ter uma importância acrescida em função de três objectivos relevantes, já antes identificados: 1) Como momento de recolha pelas Forças Armadas do conhecimento necessário sobre os cidadãos e de assunção por estes de uma formação e de uma preparação básica, sobre a defesa nacional e as Forças Armadas, tendente à sua valorização pessoal e ao cimentar do sentimento de responsabilidade; 2) Como pressuposto indelével da eficiência e eficácia das acções de mobilização, perante situações de excepção, e de evitação da necessidade de dispor desde o tempo de paz das unidades a levantar por mobilização; 3) Como factor insubstituível de incentivo dos cidadãos para prestarem voluntariamente serviço militar, como bem está demonstrado pela percentagem claramente maioritária de cidadãos que aderem ao regime de voluntariado a partir do SEN. Mas que dizer mais quando a inacção do Governo quanto ao funcionamento de um sistema nacional de mobilização e requisição no interesse da defesa nacional, há muito previsto, é bem a prova da inexistência de uma visão integrada sobre a reforma do serviço militar?

Por fim. merece crítica negativa um outro ponto da proposta do Governo. A assunção voluntária do serviço militar fora dos quadros permanentes assenta, actualmente, num regime de voluntariado e, numa lógica sequencial, num regime de contrato. O Governo pretende o fim do regime de voluntariado, fazendo admitir quem se proponha prestar serviço efectivo nas Forças Armadas directamente através do regime de contrato. O PSD defende, como se explicou, a manutenção do regime de voluntariado, enquanto garante da genuinidade e da solidez da vocação dos cidadãos para prestarem serviço nas Forças Armadas e, assim, do sucesso do vínculo que aqueles pretendem iniciar em prol da defesa nacional, que é muito mais do que uma mera relação laboral.

A reforma do sistema de prestação de serviço militar, no sentido da extinção do SEM, constitui um momento da maior importância para a defesa nacional, que o mesmo é dizer, para um elemento essencialmente constituinte da nossa soberania. Trata-se, para mais, de um caminho de difícil regresso, que só deve ser percorrido com rigor e segurança: trata-se, ainda assim, de um caminho que não pode deixar de ser percorrido e que já devia ter começado a sê-lo, através de uma acção mais pronta e eficaz do Governo.

Com a apresentação deste projecto de lei, o PSD pretende, quer manifestar a sua séria preocupação quanto ao caminho que o Governo diz querer seguir, quer contribuir para a solução de uma questão de interesse nacional. O projecto do PSD da lei do serviço militar constitui, nestes termos, uma denúncia e uma alternativa. Uma alternativa que encara com seriedade um vector fundamental da nossa soberania, da nossa vontade de sermos um projecto colectivo e de, como tal, nos afirmarmos internacionalmente.
 
 

Nestes termos, ao abrigo das disposições legais e regimentais aplicáveis, os Deputados abaixo assinados do Grupo Parlamentar do PSD apresentam o seguinte projecto de lei:
 
 

Capítulo I
Do serviço militar em geral

Artigo 1.º
Conceito e objectivos do serviço militar

1. A defesa da Pátria é direito e dever fundamental de todos os portugueses.

2. O serviço militar integra-se no contributo para a defesa nacional, no âmbito militar, a prestar pelos cidadãos portugueses, nos termos da presente lei.

3. Constitui ainda objectivo do serviço militar a valorização cívica, cultural, profissional e física dos cidadãos.
 
 

Artigo 2.º
Natureza do serviço militar

1 .O serviço militar assenta na assunção voluntária da sua prestação.

2. O disposto no número anterior não prejudica as obrigações dos cidadãos portugueses inerentes ao recrutamento militar e ao serviço efectivo decorrente de convocação ou de mobilização, nos termos estatuídos na presente lei.

3. O período de sujeição dos cidadãos portugueses a obrigações militares, nos termos do número anterior, decorre entre o primeiro dia do ano em que completam 18 anos de idade e o último dia do ano em que completam 35 anos de idade.

4. As cidadãs portuguesas podem prestar serviço militar voluntário, salvaguardados os princípios constitucionais da igualdade dos cidadãos e do valor social da maternidade e de acordo com a especificidade do desempenho das funções militares.
 
 

Artigo 3.º
Situações do serviço militar

O serviço militar abrange as seguintes situações:

    a) Reserva de recrutamento;

    b) Serviço efectivo;

    c) Reserva de disponibilidade e licenciamento.

Artigo 4.º
Reserva de recrutamento

A reserva de recrutamento é constituída pelos cidadãos sujeitos a obrigações militares, que nela são incluídos desde o momento em que se apresentam ao recenseamento militar até ao início do serviço efectivo que vierem a prestar.
 
 

Artigo 5.º
Serviço efectivo

1 .Serviço efectivo é a situação dos cidadãos enquanto permanecem ao serviço nas Forças Armadas.

2.·O serviço efectivo abrange:

    a) Serviço efectivo nos quadros permanentes;

    b) Serviço efectivo em regime de contrato;

    c) Serviço efectivo em regime de voluntariado;

    d) Serviço efectivo decorrente de convocação ou de mobilização.

3. As condições, gerais e especiais, de ingresso nos quadros permanentes e de admissão nos regimes de contrato e de voluntariado, a prestação de serviço efectivo nas formas referidas no número anterior, o desenvolvimento das carreiras e o regime remuneratório constam, sem prejuízo do disposto na presente lei e no seu regulamento, de disposições estatutárias próprias da condição militar e outras de natureza específica.

4. Compete ao Ministro da Defesa Nacional, sob proposta do Conselho de Chefes de Estado-Maior, fixar, por portaria, os quantitativos máximos anuais, por cada ramo das Forças Armadas, de militares a ingressar nos quadros permanentes e a admitir nos regimes de contrato e de voluntariado.

5. Compete ao Ministro da Defesa Nacional, sob proposta do Conselho de Chefes de Estado-Maior, aprovar, por portaria, o conteúdo e orientações gerais relativos a todas as acções de formação para a prestação de serviço efectivo referidas na presente lei, bem como à divulgação das mesmas.
 
 

Artigo 6.º
Reserva de disponibilidade e licenciamento

1. São incluídos na reserva de disponibilidade e licenciamento todos os cidadãos que prestaram serviço efectivo, desde o momento em que cessaram essa prestação até ao último dia do ano em que completarem 35 anos de idade.

2. A reserva de disponibilidade e licenciamento compreende o escalão de disponibilidade e, a seguir, o escalão de tropas licenciadas.

3. O escalão de disponibilidade abrange o período de seis anos subsequentes ao termo do serviço efectivo e destina-se a permitir o aumento dos efectivos das Forças Armadas por convocação ou mobilização, até aos quantitativos necessários.

4. As tropas licenciadas constituem o escalão seguinte ao de disponibilidade, que se destina a permitir o aumento dos efectivos das Forças Armadas até ao limite normal da capacidade de mobilização do País, a qual é definida em diploma legal próprio.
 
 

Artigo 7.º
Adiamento, interrupção, dispensa, exclusão e isenção das obrigações militares

1. Constitui motivo de adiamento das acções de formação, classificação e selecção, bem como do início do cumprimento do serviço efectivo, o padecimento de doença prolongada atestada pela autoridade pública competente.

2. Constitui ainda motivo de adiamento do início do cumprimento do serviço efectivo a existência comprovada a exclusivo cargo de descendente, irmão ou sobrinho, menores de 10 anos de idade ou incapazes de assegurarem os cuidados necessários à própria sobrevivência, bem como o desempenho de funções ou cargos cujo estatuto leal o preveja.

3. As situações referidas nos números anteriores constituem igualmente motivo de interrupção do cumprimento do serviço efectivo, pelo período de tempo que durarem.

4. Para além do exercício de funções consideradas imprescindíveis, nos termos previstos a propósito da convocação e da mobilização, constitui motivo de dispensa do cumprimento do serviço efectivo a filiação ou o parentesco no segundo grau da linha colateral de militar falecido ou de cidadão considerado deficiente das Forças Armadas com uma percentagem de incapacidade igual ou superior a 60%, cuja morte ou deficiência tenha ocorrido:

    a) Em serviço de campanha ou em circunstâncias directamente relacionadas com o serviço de campanha ou como prisioneiro de guerra;

    b) Na manutenção da ordem pública;

    c) Na prática de actos humanitários ou de dedicação à causa pública;

    d) No exercício das funções ou deveres militares e por motivo do seu desempenho. em condições de que resulte, necessariamente, risco agravado equiparável ao definido nas situações previstas nas alíneas anteriores.

5. Constitui motivo de exclusão temporária das acções de formação, classificação e selecção e da prestação, obrigatória ou voluntária, de serviço efectivo o cumprimento de pena ou a sujeição a medida de coacção que, pela sua natureza, seja incompatível com este serviço.

6. Constitui motivo de isenção das obrigações militares relativas às acções de formação, classificação e selecção e do cumprimento do serviço efectivo o reconhecimento da situação de objector de consciência, nos termos da legislação respectiva, pelo período de tempo que durar o reconhecimento dessa situação.
 
 

Artigo 8.º
Estado de guerra

Em estado de guerra serão adaptadas pelos órgãos competentes, de acordo com a constituição e com as leis em vigor, todas as medidas no âmbito do serviço militar que forem adequadas à condução da guerra e ao restabelecimento da paz.
 
 

Capítulo II
Do recrutamento militar

Secção I
Disposições gerais

Artigo 9.º
Conceito e modalidades do recrutamento militar

1. O recrutamento militar é o conjunto de acções destinadas primordialmente à obtenção dos recursos humanos necessários ao cumprimento das missões das Forças Armadas, através do chamamento e preparação dos cidadãos para a prestação de serviço efectivo.

2. O recrutamento militar compreende as seguintes modalidades:

    a) Recrutamento básico, destinado ao adequado conhecimento mútuo entre as Forças Armadas e os cidadãos incluídos na reserva de recrutamento e à preparação básica destes para a eventual prestação de serviço efectivo;

    b) Recrutamento complementar, destinado à assunção voluntária pelos cidadãos de um vínculo, permanente ou temporário, às Forças Armadas, prestando serviço efectivo nos quadros permanentes, em regime de contrato ou em regime de voluntariado.

3. O recrutamento básico tem carácter universal e obrigatório.

4. O recrutamento complementar tem carácter individual e facultativo.

5. As acções que integram os recrutamentos básico e complementar são concebidas de forma a poderem, nos termos da presente lei, desenvolver-se articulada e sequencialmente entre si.
 
 

Artigo 10.º
Conteúdo e estrutura orgânica do recrutamento militar

1. Na prossecução do objectivo referido no n.º 1 do artigo anterior, o recrutamento militar visa predominantemente assegurar às Forças Armadas uma adequada informação sobre os cidadãos portugueses e a estes a compreensão do conteúdo, objectivos e orgânica da defesa nacional e a sua sensibilização para esta, bem como o conhecimento da estrutura e funcionamento das Forças Armadas, conferindo-lhes a plena consciência dos seus direitos e deveres no âmbito da defesa nacional e a percepção da concretização possível dos mesmos, de modo a contribuir igualmente para a sua valorização cívica, para a consolidação do sentimento de responsabilidade e para o sentido de ligação entre os cidadãos e as Forças Armadas e a possibilitar a prestação de serviço efectivo que possa vir a ocorrer.

2. O recrutamento militar integra a formação no âmbito do sistema de ensino e a informação, divulgação e sensibilização públicas permanentes sobre a defesa nacional e o papel das Forças Armadas.

3. Compete ao Ministro da Defesa Nacional, através do Ministério da Defesa Nacional, a definição da política de recrutamento militar e, em articulação com o Estado-Maior General das Forças Armadas e com os Estados-Maiores dos ramos, o planeamento das operações de recrutamento e a coordenação da sua execução, de forma a garantir, no processo de recrutamento, a plena nacionalidade de gestão e a acção conjunta de todas as estruturas intervenientes nesse processo.

4. A execução do recrutamento militar compete aos ramos das Forças Armadas, através dos seus órgãos de recrutamento, com a colaboração dos demais serviços públicos cuja intervenção seja considerada necessária, nos termos do regulamento da presente lei.

5. Pode ser cometida ao Ministério da Defesa Nacional a responsabilidade pela execução do recrutamento militar, no âmbito das acções referidas no n.º 2.
 
 

Artigo 11.º
Obrigações militares gerais

Enquanto sujeitos a obrigações militares, nos termos da presente lei, os cidadãos devem:

    a) Dar conhecimento à entidade militar de que dependem das alterações de residência;

    b) Dar conhecimento à entidade militar de que dependem da obtenção de habilitações literárias, técnicas, profissionais e outras que correspondam à aquisição de conhecimentos com interesse para as Forças Armadas;

    c) Apresentar-se nos locais, dias e horas indicados por determinação legal da autoridade competente.

Secção II
Recrutamento básico

Artigo 12.º
Conteúdo do recrutamento básico

O recrutamento básico compreende as seguintes acções:

    a) Recenseamento militar;

    b) Formação, classificação e selecção;

    c) Distribuição e alistamento.

Artigo 13.º
Recenseamento militar

1. O recenseamento militar visa obter a informação de todos os cidadãos que atingem, em cada ano, a idade do início das obrigações militares.

2. Constitui obrigação dos cidadãos, a cumprir pelos próprios ou pelos seus representantes legais, apresentarem-se ao recenseamento militar durante o mês de Janeiro do ano em que completam 18 anos de idade.

3. A apresentação ao recenseamento militar deve fazer-se na câmara municipal da área de residência dos cidadãos ou, se estes estiverem domiciliados no estrangeiro, no posto consular da área dessa residência.

4. Deve ser dada publicidade ao dever de inscrição no recenseamento.
 
 

Artigo 14.º
Informação a prestar aos cidadãos aquando da apresentação ao recenseamento

1. Aquando da apresentação ao recenseamento, os cidadãos devem ser integralmente informados e documentados sobre o enquadramento jurídico fundamental da defesa nacional e das Forças Armadas, sobre os seus direitos e deveres e sobre as características, modalidades e objectivos do serviço militar, bem como sobre as possibilidades de valorização cultural e profissional que este apresenta, os incentivos oferecidos e as oportunidades associadas.

2. A informação referida no número anterior deve igualmente ser veiculada no âmbito das acções previstas no n.º 2 do artigo 10.º.
 
 

Artigo 15.º
Não apresentação ao recenseamento militar

O cidadão que não se apresentar ao recenseamento militar no período e nos locais definidos nesta lei, deve apresentar-se, para regularizar a sua situação militar, no órgão de recrutamento militar competente ou no posto consular, conforme a área de residência, sendo notado faltoso ao recenseamento militar se não justificar a falta cometida, com base nos motivos relevantes previstos no regulamento da presente lei, no prazo de trinta dias após a data limite de recenseamento.
 
 

Artigo 16.º
Formação, classificação e selecção

1. Os cidadãos recenseados são convocados, com uma antecedência mínima de sessenta dias, para participarem em acções de formatação, classificação e selecção, a serem executadas pelos órgãos de recrutamento dos ramos das Forças Armadas.

2. A formação tem o conteúdo e visa a prossecução dos objectivos referidos no n.º 1 do artigo 10.º, sendo ministrada em módulos curriculares e através de adequados métodos pedagógicos e podendo implicar a avaliação do aproveitamento dos formandos.

3. O conteúdo e os métodos da formação devem ser coerentemente articulados com a formação sobre a defesa nacional e as Forças Armadas no âmbito do sistema de ensino.

4. As acções de formação referidas neste artigo são complementadas com as medidas preparatórias da mobilização, nos termos da legislação respectiva.

5. As acções de classificação e selecção visam, sucessivamente:

    a) Determinar o grau de aptidão psicofísica dos cidadãos para efeitos de prestação de serviço efectivo;

    b) Agrupar os cidadãos, de acordo, entre outras, com as suas características físicas, psíquicas, profissionais e técnicas, bem como com as preferências, relativas ao ramo das Forças Armadas, classe, arma, serviço, especialidade e área geográfica de prestação de serviço, por si manifestadas, tendo em vista a adequação funcional e operacional no caso da sua eventual prestação de serviço efectivo.

6. O exame referido na alínea a) do número anterior conclui-se com a atribuição das classificações de Apto ou Inapto, ficando a aguardar classificação os cidadãos a quem seja necessário efectuar exames complementares; só os cidadãos classificados de Apto são seleccionados.

7. Da classificação referida no número anterior pode, no prazo de cinco dias, ser interposto recurso hierárquico para o respectivo Chefe de Estado-Maior, a ser decidido no prazo de trinta dias, com base em novo exame do recorrente.

8. Findas as acções de formação, classificação e selecção, os cidadãos classificados de Apto prestam, como recrutas, o compromisso de honra de cumprimento das suas obrigações militares, de acordo com fórmula constante do regulamento da presente lei.
 
 

Artigo 17.º
Execução das acções de formação, classificação e selecção

1. As acções de formação, classificação e selecção desenvolvem-se em conjunto. num só período de tempo, não superior a cinco dias.

2. As acções de formação, classificação e selecção devem ter lugar de forma descentralizada em termos territoriais, com o objectivo de assegurar a proximidade aos cidadãos, sem prejuízo da necessidade de garantir a racionalização das infra-estruturas das Forças Armadas.

As acções de formação, classificação e selecção devem executar-se, normalmente, até ao fim do ano em que o cidadão recenseado completa 19 anos de idade, em data fixada nos termos do n.º 1 do artigo anterior, a qual pode, não mais de duas vezes, ser alterada, por conveniência do cidadão, mediante requerimento interposto com a antecedência mínima de dez dias da data para que foram convocados.

4. Aos cidadãos que tenham residência legal no estrangeiro, permanente e contínua, iniciada anteriormente ao ano em que completaram 18 anos de idade, aplica-se o disposto no número anterior, podendo, no entanto, ser requerido o adiamento das acções de formação, classificação e selecção, o qual será deferido enquanto não ultrapassar o último dia do ano em que se completem 25 anos de idade.
 
 

Artigo 18.º
Não apresentação às acções de formação, classificação e selecção

O cidadão que não se apresentar às acções de formação, classificação ou reclassificação e selecção para que foi convocado, sem justificar a falta cometida, com base nos motivos relevantes previstos no regulamento da presente lei, no prazo de trinta dias, ou que se recuse a realizar alguma das referidas acções, é notado faltoso às mesmas.
 
 

Artigo 19.º
Distribuição

A distribuição é a atribuição ideal, em termos quantitativos e qualitativos, dos cidadãos seleccionados aos ramos das Forças Armadas, com vista à eventual prestação de serviço efectivo, devendo, sempre que possível de acordo com as necessidades destas, ter-se em consideração as preferências por aqueles manifestadas.
 
 

Artigo 20.º
Alistamento

1. O alistamento é a atribuição nominal dos cidadãos a cada ramo das Forças Armadas ou à reserva de recrutamento.

2. Os cidadãos classificados de Apto continuam alistados na reserva de recrutamento, excepto se, requerendo a abertura do seu processo de recrutamento complementar, com vista à prestação voluntária de serviço efectivo, vierem a ser admitidos num dos ramos das Forças Armadas, caso em que são alistados neste ramo.

3. O conteúdo funcional e operacional do serviço efectivo de cada cidadão alistado é determinado, enquanto esse alistamento se mantiver, pelo ramo das Forças Armadas em que foi admitido.

4. A admissão consiste na apresentação de cada cidadão, para prestação de serviço efectivo, na unidade ou estabelecimento do ramo das Forças Armadas de alistamento em que foi colocado.
 
 

Secção III
Recrutamento complementar

Artigo 21.º
Conteúdo e âmbito subjectivo do recrutamento complementar

O recrutamento complementar compreende todas as acções específicas dos processos de ingresso nos quadros permanentes das Forças Armadas e de admissão nos regimes de contrato e de voluntariado, abrangendo os cidadãos que, propondo-se voluntariamente prestar serviço efectivo, tenham atingido, no mínimo, 17 anos de idade.
 
 

Capítulo III
Do serviço efectivo nas Forças Armadas

Artigo 22.º
Serviço efectivo nos quadros permanentes

O serviço efectivo nos quadros permanentes assenta no ingresso voluntário dos cidadãos na carreira militar, ficando vinculados com carácter de permanência às Forças Armadas.
 
 

Artigo 23.º
Serviço efectivo em regime de contrato

1. O serviço efectivo em regime de contrato assenta na assunção voluntária de um vínculo temporário às Forças Armadas pelos cidadãos que já tenham prestado serviço efectivo em regime de voluntariado por um período de tempo não inferior a 12 meses, com vista à satisfação das necessidades daquelas e ao eventual ingresso destes, salvaguardadas as condições gerais e especiais fixadas, nos quadros permanentes.

2. O serviço efectivo em regime de contrato inicia-se, normalmente, no dia seguinte ao termo do serviço efectivo em regime de voluntariado, podendo, com respeito dos limites de idade fixados para início do serviço efectivo neste regime, iniciar-se em momento posterior.

3. O serviço efectivo em regime de contrato tem a duração mínima de dois e máxima de seis anos.

4. Quando as necessidades das Forças Armadas o justifiquem, nomeadamente pelo quantitativo de efectivos necessário ou pelas especiais exigências técnicas, de formação militar e de habilitações académicas ligadas ao conteúdo funcional e operacional dos cargos e funções em causa, o Ministro da Defesa Nacional pode, sob proposta do Conselho de Chefes de Estado-Maior, autorizar, por portaria, a extensão do limite máximo de duração do contrato.

5. A extensão referida no número anterior pode ocorrer três vezes, por sucessivos períodos de quatro anos.

6. O serviço efectivo em regime de contrato é prestado nas fileiras, sem prejuízo das acções de formação militar que possam ocorrer.
 
 

Artigo 24.º
Serviço efectivo em regime de voluntariado

1. O serviço efectivo em regime de voluntariado assenta na assunção voluntária de um vínculo às Forças Armadas não inferior a oito nem superior a dezoito meses, por parte dos cidadãos recrutados que não tenham completado 24 anos de idade, com vista à satisfação das necessidades daquelas e à admissão destes no regime de contrato ou ao seu eventual ingresso nos quadros permanentes, salvaguardadas as condições gerais e especiais fixadas.

2. O limite de idade referido no número anterior pode ser elevado para 30 anos, nos termos das disposições estatutárias próprias, no caso de cidadãos que tenham completado com aproveitamento o ensino superior.

3. Os cidadãos nas condições referidas nos números anteriores e no artigo 21.º podem requerer a abertura do seu processo de recrutamento, com vista à prestação de serviço efectivo em regime de voluntariado.

4. Aberto o processo, este inicia-se pelo recenseamento e pelas acções de formação, classificação e selecção referidas no artigo 16.º, nos casos em que não tenham ainda ocorrido, e desenvolve-se imediatamente pelo alistamento num dos ramos das Forças Armadas e consequente admissão.

5. O serviço efectivo em regime de voluntariado comporta as seguintes fases sequenciais:

    a) Formação militar complementar, destinada a completar e adequar ao ramo respectivo as acções de formação referidas no número anterior;

    b) Juramento de bandeira, a prestar perante a Bandeira Nacional, de acordo com fórmula constante do regulamento da presente lei;

    c) Formação militar especializada, destinada a proporcionar aos formandos as qualificações necessárias ao conteúdo funcional e operacional dos cargos e funções a exercer, no âmbito das classes, armas, serviços ou especialidades que integrarão no ramo;

    d) Período nas fileiras, que se traduz no exercício de cargos e desempenho de funções nas unidades e estabelecimentos militares e que se inicia após a conclusão, com aproveitamento, de todas as acções de formação.

6. Nos casos em que as acções de formação referidas no artigo 16.º não tenham ainda ocorrido, decorrem agora com a formação militar complementar, de forma integrada entre ambas.
 
 

Artigo 25.º
Incentivos à prestação de serviço efectivo nos regimes de voluntariado e de contrato

1. A prestação de serviço efectivo nos regimes de voluntariado e de contrato deve, de acordo com as necessidades das Forças Armadas, ser incentivada pelo Estado.

2. As medidas de incentivo devem motivar a assunção voluntária da prestação de serviço efectivo nos regimes de voluntariado e de contrato e promover e apoiar, finda esta prestação, a inserção ou reinserção do cidadão na vida activa civil.

3. Para além da retribuição financeira, inerente ao estatuto remuneratório, e dos direitos e garantias previstos no artigo 31.º que têm simultaneamente a natureza de incentivos, o sistema de incentivos deve incluir, designadamente:

    a) Informação e orientação profissional;

    b) Apoios para obtenção de habilitações académicas;

    c) Apoios para formação profissional;

    d) Concessão de equivalências à formação obtida nas Forças Armadas, para efeitos de certificação profissional;

    e) Acesso às medidas de apoio à juventude;

    t) Acesso às medidas de apoio à iniciativa empresarial;

    g) Concessão do direito de preferência aos cidadãos que concluírem o serviço efectivo, em igualdade de circunstâncias, nos concursos externos de ingresso em todos os serviços e organismos da Administração Pública, central, local e autónoma, incluindo os institutos públicos que revistam a natureza de serviços personalizados ou fundos públicos, e nos quadros de pessoal das Forças Armadas e das Forças de Segurança, bem como do direito de candidatura, naqueles serviços ou organismos, a concursos internos de ingresso e a concursos internos gerais de acesso, desde que, neste caso, estejam preenchidos os requisitos de identidade de carreiras e de tempo de serviço;

    h) Atribuição de um prémio pecuniário ou de uma pensão, finda a prestação do serviço efectivo;

    i) Atribuição do direito a subsídio de desemprego, finda a prestação do serviço efectivo;

    j) Apoios aos empregadores de cidadãos que concluíram o serviço efectivo.

Artigo 26.º
Regime dos incentivos

1. A concessão e o conteúdo dos incentivos referidos no artigo anterior devem adaptar-se, dentro do possível, à situação pessoal do militar e considerar a duração e natureza do serviço efectivo prestado.

2. O sistema de incentivos deve ainda considerar a necessidade de equilíbrio com o estatuto dos militares dos quadros permanentes das Forças Armadas.

3. O sistema de incentivos é regulado e desenvolvido em diploma legal próprio.
 
 

Artigo 27.º

Serviço efectivo decorente de convocação

1. Os cidadãos no escalão de disponibilidade podem ser convocados para a prestação de serviço efectivo, com a antecedência mínima de sessenta dias, por portaria do Ministro da Defesa Nacional, mediante proposta do Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas aprovada em Conselho de Chefes de Estado-Maior, por período não superior a dois meses ou por períodos na totalidade não superiores a dois meses, para efeitos de reciclagem, treino, exercício ou manobras militares.

2. Os cidadãos no escalão de disponibilidade podem ainda ser convocados para. prestação de serviço efectivo, por decreto do Governo, mediante proposta do Ministro da Defesa Nacional formulada após audição do Conselho Superior Militar, em caso de perigo de guerra ou de agressão iminente ou efectiva por forças estrangeiras enquanto se mantiverem estas situações e não for decretada a mobilização militar, até à totalidade das seis classes na disponibilidade.

3. Os cidadãos nos escalões de disponibilidade ou tropas licenciadas podem ser convocados para prestação de serviço efectivo por razões disciplinares ou criminais nas situações previstas no artigo 36.º.
 
 

Artigo 28.º
Serviço efectivo decorrente de mobilização

A mobilização militar dos cidadãos só pode acontecer nas condições e nos termos previstos em diploma legal próprio.
 
 

Artigo 29.º
Dispensa do serviço efectivo decorrente de convocação ou de mobilização

Podem ser dispensados da prestação de serviço efectivo decorrente de convocação ou de mobilização, para além dos casos previstos em legislação própria, os cidadãos imprescindíveis ao funcionamento de serviços públicos essenciais e de actividades privadas indispensáveis à vida do País ou às necessidades das Forças Armadas, ficando, porém, sujeitos à legislação militar aplicável enquanto não for desconvocada ou desmobilizada a classe a que pertencem.
 
 

Capítulo IV
Dos direitos e garantias

Artigo 30.º
Amparos de família

1. São considerados amparos de família os cidadãos que tenham a seu exclusivo cargo o cônjuge, ascendente, descendente, irmão ou sobrinho com menos de 18 anos de idade, ou pessoa que os criou e educou que não tenha meios de prover de outro modo à sua subsistência.

2. Para efeitos do número anterior, consideram-se os irmãos e sobrinhos incapacitados com idade superior a 18 anos.

3. Quando os cidadãos com direito à qualificação de amparo de família tiverem de cumprir serviço efectivo, por este ser considerado imprescindível, têm direito a receber do Estado um subsídio de valor não inferior ao salário mínimo nacional.

4. A decisão sobre a concessão ou denegação do estatuto de amparo de família deve ser tomada quarenta e cinco dias após a entrega do respectivo requerimento e deve ser claramente fundamentada.

5. Da decisão referida no número anterior cabe recurso hierárquico para o Ministro da Defesa Nacional, que o deverá decidir no prazo de dez dias.
 
 

Artigo 31.º
Direitos e garantias face ao cumprimento das obrigações militares

1. Nenhum cidadão pode ser prejudicado na sua colocação, nos seus benefícios sociais ou no seu emprego permanente por virtude do cumprimento das obrigações militares estabelecidos na presente lei.

2. O militar que presta serviço efectivo, obrigatório ou voluntário, bem como os familiares a seu exclusivo cargo, gozam das modalidades de assistência médica e medicamentosa existentes nas Forças Armadas.

3. O Estado reconhece aos cidadãos o direito à plena reparação dos efeitos de acidentes resultantes da prestação de serviço efectivo, bem como das doenças contraídas ou agravadas por causa da mesma prestação.

4. Os cidadãos referidos no número anterior, quando possuidores de qualquer grau de idade resultante de acidente ou doença relacionados com o serviço, beneficiam dos direitos e regalias previstos em legislação própria, não podendo estes, contudo, em caso algum, ser inferiores aos aplicáveis para a actividade e funções que desempenhavam à altura do início do serviço efectivo.

5. Os acidentes resultantes directamente das acções de formação referidas no artigo 16.º, bem como as doenças contraídas ou agravadas directamente por causa das mesmas, são considerados para efeitos dos n.os 3 e 4.

6. Durante o período das acções de formação, classificação e selecção referidas no artigo 16.º os cidadãos têm direito a alojamento, alimentação e transporte gratuitos, não podendo ser prejudicados na sua colocação, nos seus benefícios sociais ou no seu emprego.

7. Os cidadãos que cumprem serviço efectivo de natureza obrigatória têm direito a alojamento, alimentação, fardamento e transporte gratuitos.

8. Todo o tempo de serviço efectivo nas Forças Armadas conta para efeitos de aposentação ou reforma e, tratando-se de serviço efectivo de natureza obrigatória, conta igualmente para efeitos de promoção e não prejudica outras regalias conferidas por estatutos profissionais ou resultantes de contrato de trabalho.

9. Os funcionários e agentes da Administração Pública, central, local e regional autónoma, incluindo os institutos públicos que revistam a natureza de serviços personalizados ou fundos públicos, que, por causa do cumprimento das suas obrigações militares, fiquem impedidos de prestar provas ou de comparecer a entrevistas em concursos de acesso ou de ingresso noutras carreiras, podem requerer o adiamento das mesmas para data a acordar entre o respectivo serviço ou organismo público e as Forças Armadas.

10. São isentos de emolumentos os reconhecimentos notariais e demais actos necessários para a organização dos processos para fins militares, incluindo os efectuados pelos estabelecimentos de ensino e serviços públicos.
 
 

Artigo 32.º
Equivalência dos cursos, disciplinas e especialidades ministrados nas Forças Armadas

Sem prejuízo da salvaguarda das necessidades das Forças Armadas que reclamem uma formação militar específica, os cursos, disciplinas e especialidades ministrados nas Forças Armadas devem, incluindo no âmbito da formação profissional, conter programas e matérias comuns ou correspondentes aos similares ministrados nos estabelecimentos civis de ensino oficial ou nos oficialmente reconhecidos, através do sistema de créditos ou módulos, de forma a poderem, para todos os efeitos legais, ser considerados equivalentes a estes.
 
 

Capítulo V
Das disposições complementares

Artigo 33.º
Casos especiais do cumprimento de obrigações militares

1 .Os cidadãos que comprovadamente sejam alunos de estabelecimentos de formação eclesiástica, membros de institutos religiosos ou ministros de religiões, nos casos de religiões legalmente reconhecidas, devem prestar o seu serviço militar, quando necessário às Forças Armadas, no âmbito dos serviços de assistência religiosa. de saúde militar ou de conteúdo equiparável, nos termos do regulamento da presente lei, a não ser que manifestem expressamente a vontade de prestarem serviço efectivo de conteúdo idêntico ao prestado pelos demais cidadãos.

2. Os cidadãos que adquiram a nacionalidade portuguesa durante ou após o ano em que completam 18 anos de idade estão sujeitos às obrigações militares a partir do momento da aquisição da nacionalidade, nos termos da presente lei.
 
 

Artigo 34.º
Funções públicas

Nenhum cidadão poderá conservar nem obter emprego do Estado ou de outra entidade pública se deixar de cumprir os seus deveres militares.
 
 

Artigo 35.º
Informação relativa aos cidadãos

1. Os serviços do Estado responsáveis pelo registo civil e criminal dos cidadãos devem fornecer às entidades militares competentes todas as informações por estas solicitadas para fins decorrentes da presente lei.

2. O Registo Civil deve comunicar oficiosamente ao órgão de recrutamento militar competente os óbitos dos cidadãos com idades compreendidas entre os 18 e os 35 anos.

3. Para além da comunicação das informações referidas nos números anteriores, deve ser organizado um registo informático relativo aos cidadãos, destinado exclusivamente a fins de recrutamento militar, com base na colaboração dos serviços e organismos, do Estado que, no âmbito das suas atribuições, disponham de informação relevante, podendo existir interconexão de dados pessoais.

4. O registo referido no número anterior é regulado em diploma legal próprio, com absoluta garantia de protecção dos dados pessoais, nos termos da legislação respectiva.
 
 

Artigo 36.º
Normas sancionatórias

1. Quem praticar a infracção prevista no artigo 15.º será punido com prisão até 3 meses ou multa até 40 dias.

2. Em tempo de paz, será punido com prisão até 6 meses ou multa até 80 dias quem praticar a infracção prevista no artigo 18.º, sendo esta pena agravada para o dobro, nos seus limites mínimo e máximo, quando a mesma infracção for praticada em tempo de guerra.

3. Quem não cumprir a convocação referida no n.º 1 do artigo 27.º será punido com prisão até 3 meses ou multa até 60 dias.

4. Quem não cumprir a convocação referida no n.º 2 do artigo 27.º será punido com prisão de 6 meses a 3 anos.

5. Quem não cumprir as obrigações previstas no artigo 11.º será punido com multa até 30 dias, sendo esta pena agravada para o dobro quando a mesma infracção seja cometida em tempo de guerra.

6. Quem, para o efeito de recrutamento, prestar às entidades competentes falsas declarações sobre as suas habilitações literárias ou técnicas, actividade profissional exercida ou local de residência será punido com prisão até 3 meses ou multa até 40 dias.

7. Quem, fraudulentamente, praticar acto com o propósito de omitir a inscrição de qualquer pessoa no recenseamento militar ou, com a mesma intenção, deixar de praticar acto a que juridicamente esteja obrigado será punido com prisão até 3 meses ou multa até 40 dias.

8. Quem, por meio de fraude ou falsidade, se subtrair ou fizer subtrair outrem às obrigações do serviço militar ou conseguir resultado diferente do devido nas acções de classificação e selecção será punido com prisão até 6 meses ou multa até 80 dias.

9. Quem ilicitamente aceitar ou usar influência com vista à prossecução dos resultados previstos no número anterior será punido com prisão até 3 meses ou multa até 40 dias.

10. Se às infracções previstas nos n.os 7, 8 e 9 corresponder, por outra disposição legal, pena mais grave, será esta a aplicável.

11. São convocados para regressar ao serviço efectivo os cidadãos sujeitos a obrigações militares, na disponibilidade ou nas tropas licenciadas, que hajam praticado infracção disciplinar ou crime de natureza estritamente militar durante a prestação daquele serviço, a fim de cumprirem a pena correspondente, quando esta for aplicada posteriormente à sua passagem à disponibilidade.

12. O indivíduo nas condições do número anterior regressa ao serviço efectivo por efeito automático do trânsito em julgado da decisão judicial condenatória que aplique pena privativa da liberdade.

13. Fora dos casos referidos no número anterior, a convocação referida no n.º 11 é ordenada pelo Chefe de Estado-Maior do respectivo ramo das Forças Armadas.
 
 

Artigo 37.º
Alteração de circunstâncias quanto à disponibilidade de efectivos mínimos

1. Verificando-se que, fora das circunstâncias determinantes da convocação e da mobilização, as Forças Armadas não dispõem do número suficiente de militares em serviço efectivo, em termos que afectem gravemente a satisfação das suas necessidades fundamentais e a prossecução dos objectivos permanentes da política de defesa nacional, poderá, a título excepcional, sujeitar-se os cidadãos portugueses ao cumprimento de serviço efectivo, determinando-se a sua incorporação, após as acções de formação, classificação e selecção referidas no artigo 16.º, no ano em que completem 20 anos de idade.

2. O serviço efectivo excepcional referido no número anterior será determinado por lei da Assembleia da República, mediante proposta de lei do Governo, da iniciativa do Ministro da Defesa Nacional precedida da audição do Conselho de Chefes de Estado-Maior.

3. Na lei referida no número anterior regular-se-á a prestação do serviço efectivo excepcional, em obediência aos seguintes princípios:

    a) Vigência pelo período de tempo estritamente necessário à salvaguarda das necessidades e dos objectivos referidos no n.º 1;

    b) Duração do serviço efectivo o mais limitada possível, não devendo nunca ultrapassar o período de oito meses;

    c) Observância do princípio da igualdade, preferencialmente pela incorporação geral de cada contigente anual classificado de Apto, sem prejuízo da possibilidade de concessão de adiamentos por motivos, entre outros, de estudos, de formação profissional e de residência no estrangeiro;

    d) Não sendo possível observar o princípio referido na alínea anterior, exclusão, pela seguinte ordem de prioridades, dos cidadãos casados, dos responsáveis por encargos de família, dos filhos únicos ou com menor número de irmãos, preferindo os cidadãos mais velhos aos mais novos em caso de necessidade de escolha dentro de cada um dos referidos grupos;

    e) Atribuição aos cidadãos sujeitos ao serviço efectivo previsto neste artigo, com as necessárias adaptações, das compensações financeiras e materiais e demais incentivos de que beneficiem aqueles que prestem serviço efectivo em regime de voluntariado.

Capítulo VI
Das disposições transitórias e finais

Artigo 38.º
Transição de regimes

1. A presente lei aplica-se a partir da sua entrada em vigor, passando as actuais situações de prestação de serviço efectivo nos regimes de voluntariado e de contrato, com excepção do período de duração destes, a reger-se de acordo com as alterações respectivas agora introduzidas, com as necessárias adaptações.

2. Sem prejuízo do disposto no número anterior, a substituição dos regimes do recrutamento e a extinção do serviço efectivo normal e a consequente eliminação da obrigatoriedade de prestação deste ocorrerão, de forma progressiva, até ao fim do primeiro semestre de 2001, aplicando-se as regras de recrutamento previstas na presente lei aos cidadãos que, sem antes terem prestado serviço efectivo normal, assumam voluntariamente a prestação de serviço efectivo.

3. Durante o período transitório referido no número anterior o cumprimento do serviço efectivo normal e o recrutamento geral que o antecede continuarão a regular-se pelas normas respectivas até agora em vigor, devendo, no entanto, evoluir-se no sentido da redução do serviço efectivo normal para uma duração não superior a dez semanas.

4. Durante o mesmo período transitório aplicar-se-ão aos cidadãos sujeitos ao cumprimento do serviço efectivo normal os princípios referidos nas alíneas c) e d) do n.º 3 do artigo anterior.
 
 

Artigo 39.º
Legislação complementar

O Governo fará publicar, para imediata entrada em vigor, no prazo de cento e vinte dias contados a partir da publicação da presente lei, o regulamento desta, aprovado por decreto-lei, bem como a demais legislação complementar.
 
 

Artigo 40.º
Entrada em vigor

A presente lei entra em vigor com o início da vigência do seu regulamento.
 
 

Artigo 41.º
Norma revogatória

São revogados, a partir da entrada em vigor da presente lei, a Lei n.º 30/87, de 7 de Julho, Lei do Serviço Militar, e o Decreto-Lei n.º 463/88, de 15 de Dezembro, Regulamento da Lei do Serviço Militar, sem prejuízo do disposto no artigo 38.º.
 

Palácio de São Bento, 3 de Março de 1999. - Os Deputados do PSD: Luís Marques Mendes - Carlos Encarnação - Luís Marques Guedes - Guilherme Silva - Correia de Jesus - João Carlos Duarte - Pedro Holstein Campilho - Manuela Ferreira Leite.