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Como fazer vinagreNUTEC - Fundação Núcleo de Tecnologia Industrial Como fazer vinagre Afrânio Mala Gurgel Engenheiro Agrônomo Joaquim Alvino de M. Filho Tecnólogo de Alimentos Sônia Matos Coelho Tecnóloga de Alimentos 2 edição Brasília, 1993
APRESENTAÇÃO 0 Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), ao retomar, por intermédio de sua Superintendência de Articulação e Desenvolvimento Tecnológico (SDT) e do Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia (OU), o Programa de Apoio às Tecnologias Apropriadas (PTA), no seu componente de informação, o faz por determinação direta do ministro da Ciência e Tecnologia, professor José Israel Vargas. Diversas entidades vêm apoiando essa ação, como o Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (SEBRAE), a Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP) eaConfederação Nacionalda Indústria / Departamento de Assistência à Média e Pequena Indústria (CNI/DAMPI). Essa iniciativa deu margem à criação do Banco de Soluções, que deverá incorporar, em um primeiro estágio, a edição de cartilhas e manuais da Série Tecnologias Apropriadas. 0 objetivo principal desta Série e das outras iniciativas do Banco de Soluções é estimular maior intercâmbio entre os institutos de pesquisa, as universidades, as organizações não‑governamentais, as prefeituras municipais, as comunidades de base e outros, para retomar ações que permitam à ciência contribuir para a diminuição da taxa de desemprego, a criação de empresas e o desenvolvimento social. Ao editar este volume, em parceria com o NUTEC ‑ Fundação Núcleo de Tecnologia Industrial, o PTA pretende que as tecnologias apropriadas aqui apresentadas cheguem às comunidades mais carentes, como instrumento de transferência tecnológica e de capacitação profissional. É com essa visão que o CNPq e o IBICT, por meio do Banco de Soluções, procuram atender às determinações do ministro da Ciência e Tecnologia, contando com o estímulo da própria Comissão de Ciência e Tecnologia da Câmara dos Deputados, por intermédio do Deputado Ariosto Holanda e com o apoio fundamental da Associação Brasileira das Instituições de PesquisaTecnológica Industrial (ABIPTI). Introdução A industrialização de alimentos pode contribuir de maneira marcante para o incentivo e estabilização da produção agrícola, permitindo, assim, aproveitamento dos excedentes no local e contribuindo para uma melhor utilização do alimento durante todo o ano. Existem certos tipos de alimentos que, por não exigirem equipamentos especializados e instalações de grande porte, podem ser facilmente locados na zona rural. Incluem‑se, entre essas indústrias, as de vinagre, picles, marmeladas, doces e outras. 0 trabalho aqui apresentado tem como objetivo levar algumas informações sobre a fabricação caseira de vinagre, o qual constitui um meio de aproveitar a matéria prima excedente das safras, assim como refugos de frutas ricas em açúcares e materiais amiláceos. A palavra vinagre significa vinho azedo. Entretanto, nem todo vinagre procede do vinho ‑também pode ser proveniente outros líquidos alcoólicos. Estes podem ser obtidos de vários tipos de matérias‑primas, como frutas maduras Ocas em açúcares, materiais ricos em amido, melaço ou caldo de cana, aguardente, álcool etc. 0 vinagre é empregado principalmente na mesa como condimento, na fabricação de picles, de ketchups e molhos de uma maneira geral. 0 processamento do vinagre é feito em fases: a) fermentação alcoólica, que consiste na transformação dos açúcares em álcool e gás carbônico, mediante a adição de leveduras alcoólicas como Saccharornyceae cerivísiãe, que é o fermento de padaria e pode ser encontrado em tabletes ou em pó, no mercado; b) fermentação acética, que consiste na transformação dos álcoois em ácido acético, por meio da introdução de bactérias como Acetobacter aceti. Pela legislação brasileira, todo vinagre deve conter no mínimo 4% de ácido acético. 2. Definição Vinagre é um condimento líquido, obtido de materiais amiláceos ou sacaríferos, por fermentação alcoólica, seguida de uma fermentação acética. 3. Fluxograma de produção
4. Descrição do processamento 4.1. Colheita As frutas devem ser colhidas bem maduras, uma vez que, neste estado, apresentam‑se bem mais doces. 4.2. Transporte 0 transporte das frutas deve ser feito em caixas ou em cestos bem limpos e com todo cuidado para que elas não se machuquem. 4.3. Recepção 0 recebimento das frutas é feito no local do processamento do vinagre. 4.4. Passagem Após a recepção, as frutas são pesadas para efeito de rendimento e pagamento. 4.5. Limpeza Operação que consiste em remover as impurezas, tais como terra, detritos vegetais, poeiras e outras materiais, utilizando‑se água corrente de boa qualidade. 4.6. Trituração e espremedura Consiste no esmagamento dos frutos, manual ou mecanicamente, por meio de moinhos, seguindo de espremedura também manual (pano ralo) ou mecanicamente (prensa), para obtenção do suco que sofrerá futura fermentação. 0 suco obtido deve ser guardado em barris de madeira ou garrafões de vinho, caso não seja de uso imediato. 0 suco a ser fermentado deve conter em torno de 10 a 12% de açúcares, para obter‑se um vinagre em 4 a 4,5% de ácido acético. Obs: o processamento do vinagre utilizando‑se frutas não suculentas difere nesta etapa, uma vez que os frutos são colocados em pedaços, e estes, postos em barris ou tinas de madeira, barro assado ou em recipiente de aço inoxidável, adicionados de água, cobertos com pano limpo e deixados fermentar; em seguida, é feita a espremedura, obtendo‑se então o vinho, que segue o mesmo fluxograma. 4.7. Diluição Faz‑se necessária apenas quando o suco é muito concentrado, ou quando a matéria‑prima é aguardente, álcool, caldo ou melaço de cana‑de‑açúcar. 4.7.1Caldo de melaço de cana Diluir a 10 a 129 Brix. 4.7.2 Aguardente Para cada litro de uma boa aguardente, adicionar três litros de água limpa. 4.7.3.Álcool Para cada litro de álcool a 42°C, adicionar nove litros de água. 4.8. Fermentação Alcoólica Processo que resulta na transformação de açúcares solúveis em álcool como produto final, pela ação das leveduras alcoólicas como Saccharomyces cerevisiae. 0 suco das frutas esmagadas deve ser colocado em finas ou em barris de madeiras, coberto com um pano e deixado fermentar de quatro a cinco dias. Neste período, deve ser mexido com uma colher de madeira duas vezes ao dia (pela manhã e à noite). A primeira fermentação estará terminada, quando a efervescência cessar. 0 líquido é então filtrado através de um pano e despejado em outro barril limpo, onde continuará a fermentação lenta por cerca de duas semanas ‑ período este em que o vinho estará pronto para ser transferido com auxilio de um sifão e um filtro de pano, para uma caxilha limpa, com cuidado, para evitar a passagem de sedimentos acumulados no fundo do barril. Além desse procedimento de fermentação alcoólica espontânea, existe outro mais eficaz, mais rápido, seguro e de maior rendimento, que consiste na inoculação de 2 a 5% de leveduras alcoólicas ao suco. A fermentação deve se processar em local fresco e arejado, com temperatura inferior a 272C. 4.9. Vinagreira Essa operação consiste na transformação do álcool do vinho em ácido acético, responsável pelo sabor azedo do vinagre, utilizando‑se uma vinagreira. 4.9.1. Construção de uma vinagreira com um barril deitado (Processo Orleans lento): · Utilizar um barril em posição horizontal apoiado em tripés ou cavaletes; · Furar cada lado do barril a uns dois centímetros acima do nível máximo do volume de vinagre e cobrir com gaze fina ou tela de madeira; · Fazer outro furo na parte superior do barril, através do qual se faz passar um tubo de vidro ou borracha dura que se prolonga até o fundo do barril sem tocá‑lo (2 a 3cm). Tapar o furo com uma rolha de cortiça; · Colocar em tubo de vidro na tampa lateral dobrado em ângulo, virado para cima, que indicará o nível do vinagre. Logo abaixo desse tubo, colocar uma torneira por onde será retirado o vinagre. 4.9.2. Obtenção do vinagre · Lavar a vinagreira com água fervente e em seguida com vinagre forte e de boa qualidade. · Carregar a vinagreira até 3/4 de sua capacidade com uma mistura de quatro partes de vinho para uma parte e vinho forte, não pasteurizado, ou bactérias acéticas em diluição (1 /100). · Não imprimir à vinagreira movimentos bruscos, para evitar o rompimento de película que se forma por cima do vinagre durante a fermentação, que é chamada mãe do vinagre. · Ao final de três meses, verificar, de maneira prática, por meio do gosto (forte) e cheiro de (ácido) característicos do vinagre, se estar bom de ser retirado da vinagreira. Esta verificação também pode ser feita por uma titulação da amostra com hidróxido de sódio 0,1 N, devendo o vinagre apresentar no mínimo 4% de ácido acético; · Estando o vinagre pronto, retirar 1/3 do volume e introduzir um volume equivalente do liquido alcoólico com um funil, através do tubo de vidro localizado na parte superior. Repetir essa operação com intervalos de 15 a 20 dias. 4.10. Clarificação (Opcional) Caso deseje‑se um vinagre limpo e claro, alguns materiais são usados em sua clarificação, como cola de peixe, caseína e gelatina. A cola de peixe é desmanchada com ácido cítrico em pesos iguais. Da cola de peixe, 28,3g podem ser dissolvidos em 1,91 de água, mergulhando‑se a mesma por 24 horas em água acidificada e passando‑se cola embebida com um pano ou peneira de malha fina. Para clarificar o vinagre, a solução é posta em um barril e misturada completamente por agitação. Os barris são fechados, o líquido é deixado em repouso de uma semana a 10 dias, e o vinagre clarificado é separado dos sedimentos por sifonagem. A caseína é adquirida como caseína solúvel em água, que é um caseinato de potássio ou de sódio, solúvel em água quente. Uma solução de 2% (2g/lftro de água quente) é preparada, aquecendo‑se em água. A dosagem usual é de 1 litro da mistura para cada 100 litros de vinagre. Deixa‑se repousar e faz‑se a separação por uma sifonagem. 4.11. Engarrafamento/Envelhecimento 0 produto pode ser acondicionado em garrafas, litros ou garrafões de vidro ou de plástico. 4.12. Pasteurização Esta operação é feita, colocando‑se as garrafas cheias de vinagre à temperatura de 60 a 660C durante um período de 30 minutos, ou aquecendo‑se líquido primeiramente na mesma temperatura para depois engarrafá‑lo. 0 envelhecimento ocorre simultaneamente com a acidificação, estando o vinagre pronto. 5. Equipamentos e utensílios · Barril, tina de madeira ou vasilha de barro queimado · Torneira · Tubo de vidro dobrado em 90° · Funil · Tubo de borracha dura ou de vidro · Tecido de algodão fino para filtro · Mexedor de madeira · Faca 6. Matéria‑Prima · Principal Frutas suculentas: uva, laranja, abacaxi e outras Frutas não suculentas: goiaba, jabuticaba, pêssego, banana, jenipapo e outras · Secundária Vinagre forte não pasteurizado Leveduras alcoólicas: Saccharomyces cerevisiae Água 7. Material de embalagem · Garrafas de plásticos ou de vidro · Tampas ou rolhas e rótulos 8. Controle de qualidade A importância principal do controle de qualidade na indústria de vinagre é diminuir o desenvolvimento de microorganismos e insetos que venham a interferir nas fermentações alcoólicas e acéticas do produto, causando transformações indesejáveis, durante e após o processarnento destes. A boa higiene da fábrica reduz as perdas causadas por fermentações indesejáveis, infestações de moscas e piolhos do vinagre, nematóides e flores do vinho. Assim sendo, o controle de qualidade da matéria‑prima, equipamentos e pessoal dá ao produto final melhor qualidade e melhor preço no mercado consumidor. 8.1. Doenças e defeitos do vinagre · Mosca do vinagre: se propaga nas pilhas de bagaço e em frutas apodrecidas em torno das vinagreiras. Pode ser reduzida por meio do controle higiênico das instalações sanitárias da fábrica. · Bactérias láticas: esses microorganismos muitas vezes produzem sabor e odor murino, causam turvações e interferem na acidificação. Operações que podem evitar o crescimento excessivo dessas bactérias são a filtração e a pasteurização do líquido alcoólico fermentado. Uma medida preventiva é a adição de vinagre, aumentando, assim, a acidez do vinho para 2% de ácido acético, ou a adição de 1 00ppm de dióxido de enxofre. · Nematóides: seres pequenos e finos que podem ser vistos, colocando‑se um copo de vinho ou vinagre contra a luz. Ocorrem nas vinagreiras, mas podem estar presentes no líquido alcoólico (vinho) antes da acidificação. Podem prejudicar o vinagre, quando em grande quantidade. Eles são transferidos ao vinho por moscas do vinagre e frutos estragados. · Turvação por metal: os vinagres estão sujeitos à turvação, se contiverem um excesso de metais, principalmente ferro, dissolvidos pelo suco ou vinagre, reagindo sobre os equipamentos. Este defeito pode ser evitado com o uso de materiais resistentes ao ácido acético. · A tendência do vinagre engarrafado é se tornar turvo, devido à ação de bactérias do vinagre. Isto pode ser evitado, adicionando‑se 110 a 150ppm de bissulfito de sódio ou potássio, ou fazendo‑se uma pasteurização. 8.2. Análises necessárias Durante a fabricação do vinagre, a fim de que se possa detectar algum mal funcionamento, é recomendável que se façam algumas análises tanto no líquido que entra na vinagreira, como no liquido que sai desta. As principais: · acidez total: o vinagre, depois de pronto, deve conter no mínimo 4% de acidez total calculada em ácido acético; · o líquido fermentado (vinho) deve apresentar de 10 a 12% de álcool, enquanto o vinagre pronto, 0,5%. Essas determinação são importantes para a garantia da eficiência; · Graux Brix e açúcares: um bom vinagre deve conter menos de 0,3% de açúcares. Uma porcentagem mais elevada indica fermentação incompleta, geralmente causada pelo excesso de ácido durante a fermentação alcoólica. 0 mosto ideal deve ter de 10 a 12,52 Brix. A leitura é feita no sacarímetro de Brix. 8.3. Controle da matéria‑prima · As frutas devem ser limpas, maduras e ricas em açúcares. · vinho obtido deve ter uma graduação de 10 a 12° alcoólicos. · vinagre a ser adicionado ao vinho para a obtenção do novo vinagre deve ser forte, de boa qualidade, e não deve ser pasteurizado. · Para um maior rendimento na fermentação alcoólica, deve‑se adicionar 2g de bissulfito de sódio ou metabissulfito de sódio ou potássio por 100kg de fruta ou suco a ser fermentado. · Quando for necessário, guardar o suco de frutas fermentado (vinho). Deve‑se guardar em barris bem cheios e bem fechados, para excluir o ar ou então acidificá‑lo com vinagre (2% de ácido acético). · A adição de enzimas pécticas à fruta esmagada facilita a fermentação alcoólica e sua espremedura. 8.4. Controle das fermentações · A fermentação alcoólica deve processar‑se em ambiente com temperatura de 24 a 27'OC, arejado e limpo. · A fermentação acética deve processar‑se em ambiente com temperatura de 24 a 302C, arejado e limpo. 8.5 Controle dos equipamentos e vinagreiras · Todo e qualquer equipamento usado na fabricação do vinagre deverá ser lavado e desinfetado com água quente e ser de material resistente ao ácido acético, como madeira, borracha dura e aço inoxidável. · Não usar prego nem outro material de ferro na construção da vinagreira. · Para salvar e reativar a vinagreira que passar a produzir vinagre fresco, devese desinfetá‑la com água fervendo e começar novamente o processamento. Os tanques de fermentação devem ser completamente limpos antes e depois da fermentação alcoólica. Além de serem lavados com água quente, queimar um pouco de enxofre em uma vasilha dentro dos tanques para destruir esporos de fungos e bactérias indesejáveis. 9. Bibliografia 1. APOSTILA DO CURSO DE FERMENTADOR. Programa Nacional de Melhoramento de Cana‑de‑açúcar. IAA/PLANALSUCAR. 2. APOSTILA DO CURSO DE QUíMICA INDUSTRIAL DA ESCOLA TÉCNICA FEDERAL. Tecnologia Orgânica Vinagre. Fortaleza‑CE. Novembro, 1973. p. 1‑7. 3. VICENTE, C.F. Indústrias Rurais, 2ed. São Paulo. Inst. Camp. de Ens. Agric.1973. p. 137‑42. 4. CRUESS, W.V. Produtos Industriais de Frutos e Hortaliças, São Paulo, Editora Edgard Blucher 1973, v.2, p. 659‑81. 5. FRAZIER, W.C. Microbíología de los Alimentos. Zaragoza, Acribia, 1976, p. 387‑97. 6. ROMERO, A.G. Agricultura y Ganaderia e Industrias Agricolas, Barcelona, Ramon Sopena, 1955, p. 548‑51. 7. GAVA, A.J. Princípios de Tecnologia de Alimentos, 2ed., Editora Distribuidor, São Paulo, 1973, p. 247‑49. 8. GRANDE MANUAL GLOBO DE AGRICULTURA E RECEITUÁRIO INDUSTRIAL, 3 ed. Editora Globo, Porto Alegre, 1979, v.4, p. 50‑3. 9. HISCOX, G.D. Receituário Industrial de Frutas e Hortaliças. 2 ed. Barcelona, Editora Gustavo Gil, v.3, p. 611‑17. |