TER SOFRIDO...
Emerson Aguiar
Mestrando
em Filosofia
Este
poema de Mário de Andrade encerra uma significação
profunda:
“Escuta
as árvores fazendo a tempestade berrar.
Valoriza
contigo estes instantes
Em
que a dor, o sofrimento, feito vento, são consequências perfeitas
Das
nossas razões verdes,
Da
exatidão misteriosíssima do ser".
Não
se pode dominar a dor escondendo-a, ou se escondendo dela. Ela faz parte
da vida.
Se
olharmos a nossa volta, podemos perceber que ela está presente de
várias formas. Mesmo que desejemos que o sofrimento não se
apresente, ainda com mais força ele se apresenta. Isso porque não
podemos ir contra a natureza das coisas.
É
uma tolice imaginar a perfeição como a faculdade de não
enxergar o sofrimento. A perfeição não tem nada a
ver com isso. Ver perfeitamente é compreender as coisas como elas
são.
Muitas
vezes tendemos a ver a felicidade como uma conjugação de
circunstâncias favoráveis, na qual haja a menor parcela de
sofrimento possível. Baseando-nos nisso, então, olhamos para
nós mesmos, e para os outros e julgamos se temos ou não motivos
para nos acreditarmos felizes.
Porém,
considerando-se que somos responsáveis, em maior ou menor grau,
por todo o sofrimento que nos ocorre, podemos constatar que essa crença,
se não é totalmente falsa, omite boa parte da verdade.
A
dor tem uma razão de ser: o alcance de uma compreensão maior
sobre as implicações metafísicas e éticas do
fato de se estar vivo. Enquanto esta consciência não floresce,
a dor persiste.
Contudo,
existem dois tipos de sofrimento: aquele causado pela nossa própria
ignorância e aquele por causa da ignorância dos outros. Esse
segundo tipo é mais um lamento por aqueles que “não sabem
o que fazem”, ou seja, que desconhecem que o mal que praticam provoca
sofrimento futuro para si mesmos. Está é a dor das almas
puras e dos santos.
O
sofrimento não existe simplesmente para que nós desejemos
que ele não exista. Isso não teria sentido.
A
tradição budista sintetiza bem isso através das “Quatro
Nobres Verdades”. A primeira delas fala sobre a existência do sofrimento;
a segunda, afirma que todo sofrimento nasce do desejo, inclusive do de
não sofrer; a terceira, diz que o sofrimento se extingue com a extinção
do desejo; e a quarta, aponta o caminho de oito passos para a cessação
do desejo.
Quem
desperdiça o seu tempo tentando se esconder do próprio sofrimento
e fugindo da dor dos outros, sem meditar sobre as razões das suas
dores e sem procurar minimizar os sofrimentos alheios, naquilo que for
possível, não está sabendo aproveitar o sofrimento.
Porque, quando ajudamos as pessoas que estão sofrendo, a nossa própria
dor diminui.
Gibran,
falando da dor, disse que ela é “a amarga porção com
a qual o médico que está em vós cura o vosso Eu doente.
Confiai, portanto, no médico, e bebei seu remédio em silêncio
e com tranqüilidade. Porque sua mão, embora pesada e dura,
é guiada pela suave mão do Invisível”.
Se,
por um lado, a dor martiriza e lascina; por outro, ela humaniza e santifica.
No sofrimento, o homem se solidariza com o seu próximo, compadecendo-se
das chagas e trazendo-o para mais perto de si.
Não
vai aqui nenhuma apologia ao sofrimento, mas apenas a lembrança
de que, se ele for corretamente assimilado, irá se constituir numa
lição que não precisa ser repetida.
Nas
palavras sensatas do Mestre Eckhart: “Nada é mais amargo do que
o sofrer, e nada é mais doce do que o ter sofrido. Aos olhos dos
homens, o que mais desfigura o corpo é o sofrer; aos olhos de Deus,
o que mais embeleza a alma é o ter sofrido”.